Rabiscos e Pinceladas

Voltei a desenhar. Não que eu tenha desenhado ou pintado com frequência algum dia. Não que eu tenha feito alguma coisa por muito tempo com frequência ou regularidade alguma vez na minha vida. Só faço de vez em quando até as coisas que acho que consigo fazer direito, e só quando dá muita, muita vontade. Mas se começa a complicar, se eu não consigo acertar, aí me irrita mais do que me dá prazer. Depois é só esperar a vontade passar, e não demora nada.

Com os meus lápis e pincéis nunca foi diferente. Tanto a minha mãe quanto o meu pai sempre me apoiaram. Foi do meu pai que eu herdei a veia artística, se é que eu posso considerar assim algo que eu raramente ponha em prática. Minha mãe comprava papéis especiais para eu fazer meus rabiscos e lápis de todos os modelos que fosse preciso, além das telas, tintas, paletas e pincéis, mas até hoje só pintei dois quadros e meio.

Levei meses para terminar o primeiro, nunca ficava como eu queria e, consequentemente, nunca ficava pronto, e quando ficou de um jeito que aceitei como razoável, coloquei numa moldura bonita e dei de presente para os meus avós. O que foi um erro fatal.

Há mais de 10 anos, toda vez que vou visitá-los dou de cara com aquele quadro feio que eles exibem com tanto orgulho na sala da casa deles. É, eles são corujas. São meus amores. Tenho certeza que se eu rabiscasse uma casa com duas nuvens, um sol no meio e uma flor do tamanho da casa, daquelas que toda criança faz – e eu fiz muito – e desse a eles, eles o exbiriam na parede de sua sala com o mesmo orgulho da netinha “artista”. Ai ai… minha vida teria muito menos cor, melodia e graça se eu não tivesse avós como os meus.

O segundo quadro que eu pintei também dei de presente. Acho que, no fundo, eu nunca achei nenhum deles bom o suficiente e seria tortura demais pendurá-los na minha parede, ter que olhá-los todos os dias e encontrar novas imperfeições.

Esse foi de presente para um antigo namorado, que era também um dos melhores, senão o melhor, amigo que tive naquela época. A parede dele deve ter suportado a minha “obra de arte” por aproximadamente quatro anos, o tempo que o nosso namoro durou. Depois ele  casou-se com uma moça bonita com fama de ciumenta doentia. Pobre ex-namorado, ao ver a minha assinatura no quadro, ela deve tê-lo quebrado na cabeça dele, no mínimo.

O meio quadro nunca ficou pronto, por isso é só metade. Mas, mesmo assim, está lá pendurado em uma das paredes da casa dos meus pais, inacabado e sem moldura. Assim como os pincéis velhos e endurecidos que eu nunca lavava depois de pintar, por mais que a minha mãe falasse no meu ouvido por semanas.

Eu nunca vou poder dizer que foi falta de estímulo ou de material. Talvez o problema todo seja o perfeccionismo. Artista não pode exigir perfeição de si mesmo, acho que a perfeição, muitas vezes, está na imperfeição dos seus traços.

Não sirvo para isso, não, e já descobri isso faz tempo. Gosto mesmo é de ser “arteira”, como a minha mãe falava toda vez que via algum desenho meu – “Essa é a minha arteirinha!”

Para relembrar uma infância deliciosa, acompanhada de cores e desenhos, nada melhor do que a música Aquerela, do Toquinho.

Roberta Simoni