Acordo com Deus

Às vezes, antes de dormir, nas minhas viagens mais malucas e distantes, eu me pego pensando: se existe mesmo esse lance de vida após a morte, reencarnação, vidas passadas e tudo mais, será que antes de reencarnarmos, nós fazemos uma espécie de acordo com “Deus”?

E, se há um acordo, todas as partes estão cientes e concordam com todos os termos e condições, obviamente. Logo, se eu fiz um acordo com Deus – ou qualquer outro ser superior, do qual cada um chama e define como bem entende – antes de vir pra cá, eu já sabia por tudo que eu passaria, e eu, provavelmente, tinha algum objetivo, motivo, pretensão e/ou interesse ao fechar esse acordo.

Aí, eu fico imaginando o papo que eu tive com Deus antes de chegar aqui…

“Deus, sabe o que é? Cansei do paraíso. Não acontece nada de interessante por aqui, eu não tenho mais inspiração para escrever, além do mais, preciso ter do que reclamar, questionar e duvidar. Você me conhece…

Estive pensando em não nascer num berço de ouro desta vez, e ter que suar muito para conseguir tudo que eu quiser. Em compensação quero nascer numa família boa e iluminada, se for possível, é claro. Quero me apaixonar muitas vezes, amar algumas outras, e viver tudo intensamente, como se fosse a primeira e a última vez sempre.

Quero experimentar todos os prazeres e as aflições humanas. Quero me aprofundar na vida, quero buscar respostas para tudo, até porque eu não me lembrarei de nada mesmo, e sei que terei que reaprender todas as coisas. E apesar de eu achar isso tudo uma covardia e de ficar cansada só de pensar em começar tudo de novo, eu concordo que haja fundamento nesse Seu método, e confiarei no sexto sentido que eu terei, porque espero poder levar comigo alguma experiência das outras vidas, mesmo que inconsciente. Você se importa?

Também não quero ter uma vida pacata. Quero viajar muito, morar em muitos lugares, me aventurar, me arriscar, ter que fazer muitas escolhas difíceis (onde eu estava com a cabeça???). Não quero ser rica, quero aprender a viver com pouco (hãããã???), porque não quero ter apego a nada material. Não me importo de ter que trabalhar muito, mesmo ganhando pouco (eu não conhecia a moeda Real naquela época!), por isso, quero me profissionalizar em algo que me dê muito prazer e não – necessariamente – muito dinheiro (isso explica o meu diploma de jornalista!).

Permita que eu atraia não só pessoas lúcidas e boas, preciso atrair malucos e pessoas de índole duvidosa também, para conseguir fazer uma análise mais aprofundada da mente humana (que tipo de psicanalista eu pensava que era? A versão feminina de Freud???).

E, por fim, me mande para um país subdesenvolvido e pobre, porém rico de belezas naturais. De clima tropical, aonde o povo seja festeiro e cheio de esperanças, apesar de todos os problemas sociais. Eu preciso aprender a ser otimista com essa gente, e espero poder levar alguma coisa boa a eles também.

Se não for pedir muito, permita que eu cresça perto da praia e que eu tenha contato com o mar constantemente. E se, por ventura, eu começar a reclamar muito da vida, me mande para algum lugar cinza, longe do cheiro da maresia (agora sei o que vim fazer em São Paulo!), para eu me lembrar do quanto eu era feliz e não sabia. Isso servirá para eu dar valor a todas as coisas, e pensar algumas vezes antes de reclamar da vida, outra vez.

Só peço que, enquanto eu estiver por lá, eu seja lembrada constantemente  da efemeridade da vida, para que eu contemple emocionada cada pôr-do-sol, cada flor que nasce no meu jardim, cada folha que cai das árvores, cada abraço sincero, cada sorriso gratuito, cada beijo apaixonado, cada palavra verdadeira, cada gesto humanitário, cada atitude benfeitora, cada suspiro e cada sopro de vida. Ou seja, cada vez que eu Te reconhecer nessa minha jornada.”

Depois, Deus e eu assinamos o contrato (do qual eu desconheço o prazo) e cá estou eu, experimentando, sentindo e saboreando a vida outra vez, enquanto o acordo está vigente.

Roberta Simoni