Por que, Hilda?

“Fiquei sem luz, li com as velas e pensei pensei.

Por que, Hilda, você é toda pungente?

Trágica? Impulsiva? Sem disciplina?

E o que há com o teu corpo?”

Numa noite dessas de domingo, lá em 1973, uma mulher chamada Hilda Hilst ficava sem luz e tentava se encontrar no escuro, à luz de velas. E aqui, num domingo do Século 21, outra mulher tenta se achar, só que a luz não acabou hoje, as velas estão apagadas, o abajur aceso à cabeceira da cama, mas a escuridão e as perguntas são idênticas as daquela Hilda de tantos anos atrás.

Por que, Roberta, você tem uma bomba relógio no lugar do coração? Por que tem um liquidificador ligado na potência máxima no lugar de um cérebro? Por que você continua escrevendo nos seus cadernos inúteis tarefas que nunca cumpre? Por que é tão trágica, criatura? Por que já sofre com perdas ainda inexistentes? Por que se diverte imaginando improbabilidades? Onde você escondeu as razões e as respostas? Por que seus sentimentos te dominam inteira, Roberta? E por que você sente as coisas desse jeito latente? Por que você é toda intensa, cansativa, repetitiva? Precisa ser sempre assim, tão pungente? Quem te ensinou a ser lasciva, menina? Quem te deixou ser criança, mulher? O que há com você que não dorme? Nunca te ensinaram o que é ter disciplina? Por que você só respeita a ele? E quem esse teu impulso pensa que é para ser tão impiedoso?

Moça, você gosta mesmo é de ler o que essas mulheres perdidas dizem enquanto escrevem no escuro, não vê? Sempre se sentiu atraída pela essência dessas Hildas, Adélias, Clarices e Virgínias…

Desliga o abajur, Roberta. Por que tanta claridade? Você sabe que essa luz te atrapalha a enxergar.

Roberta Simoni

(créditos da imagem: Incompletudes)

8 comentários sobre “Por que, Hilda?

  1. Moça… um dia vc vai perceber que esses cadernos não são tão inúteis e que imaginar improbabilidades é sonhar acordada – e que isso não é tão ruim assim. Nesse dia vc vai rir do que achava que era trágico. Aí vc saberá escolher entre o fio verde e o vermelho… e cortará o certo pra desarmar essa bomba que anda a acelerar seu coração. Só então vc dormirá mais tranquila. A mulher lasciva e a criança poderão conviver pacificamente dentro de vc.

    Vc tá no caminho certo, minha amiga… e precisa mesmo apagar essa luz que vem de fora pra ficar mais tranquila. Só não se assuste com a luz que surgirá dentro de vc… ela vai ser a mais forte e a mais brilhante de todas!!! E vc merece sentí-la!

    Milhões de beijos da amiga-irmã que sempre estará por perto… com uma vela acesa e um espelho – pra que vc consiga se ver inteira! 😉

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  3. Oi, Roberta!

    Cheguei até aqui pelo Mulé Burra. E numa tarde dessas, li tantas coisas… Fui lendo um texto, gostando, e lendo mais um, e gostando mais, e lendo mais, mais, mais…
    Adorei o ambiente, adorei conhecer você. Me identifiquei com muita coisa. E agora vou colocar seu link no meu blog, pra poder te acompanhar sempre.

    Esse texto, especialmente, me lembrou muitas de minhas noites de tantas interrogações como essas.

    Um beijo.
    🙂

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  4. Se a gente não se pergunta, e não se conhece, é impossível desfrutar de todos os sentimentos que nos habitam. E acredite em todo o seu potencial, e seja o melhor que conseguir. Os erros, os defeitos, as imperfeições revelam o que há de mais perfeito: o nosso lado humano.
    Feliz 2011! Um beijo.

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  5. Oi Roberta!
    Mais uma vez me identificando com um texto seu! É incrível como seus textos coincidem com tantas coisas pelas quais eu passo… Adoro lê-los todos!
    Beijo grande.

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