It’s over.

– Roberta, tem uma planta seca na sua varanda.

– É, eu sei.

E não adianta regar, porque ela já morreu. Mas é que dói toda vez que tento jogar fora. E nem precisa ser Freud para explicar que se eu faço isso é porque não sei lidar com a morte. Não sei mesmo. E você, sabe? Alguém sabe?

Amy Winehouse morreu. Tá todo mundo fazendo piada em torno disso, nada contra, só não consegui, até agora, achar graça. Não sei nada a respeito dela, se era uma pessoa bacana, se escovava os dentes antes de dormir, se acordava de mau humor, se preferia cachorro a gato, se desejava bom dia ao caixa do supermercado, se tinha medo de altura, se era uma boa amiga. Só sei o que todo mundo sabe: era drogada. Triste, né? Com tantas curiosidades e características que uma pessoa pode ter, só se fala nas drogas que ela usava.

No mais, sei que tinha a mesma idade que eu, e penso que morrer aos 27 é deixar de se surpreender cedo demais com a vida. É nunca mais sentir frio na barriga ou vontade de fazer xixi de tanto rir, é deixar de se emocionar, de criar, de experimentar, de conhecer gente, de escutar histórias novas, de ter mais músicas para compor, ou cantar, mais episódios para escrever, ou atuar. Ou os dois. It’s over.

Num mundo cheio de pessoas igualmente previsíveis, era bom saber que havia uma Amy por aí. Autêntica, ousada, extravagante, compatível com a sua voz, com a sua música, que os meus ouvidos particularmente adoram. Dane-se as drogas. Eu não me importo muito com o que uma pessoa consome, interessa-me mais o que ela tem a oferecer. E ainda que o consumo diga muito sobre o fornecimento, ela era muito boa na arte que se propôs a fazer, e ainda hoje os bons morrem jovens. Mais uma para as estatísticas do Renato, que também entrou para as estatísticas.

Mas nem todo luto é sofrido. Nem todo fim é perda, pode ser que seja recomeço. Por aqui eu ando cometendo meus minúsculos assassinatos necessários, ora conformada, ora nem tanto. Vide a planta morta ainda lá, na varanda.

Morte não-literal ninguém vê, ninguém sabe. Só você. Muita coisa que nasce na gente, só a gente vê morrer e é assim que tem que ser.

Um sentimento, assim como um desejo ou uma expectativa, respeita o ciclo da vida. Em suma: um dia nasce, no outro morre. E a vida segue sem que – na maior parte das vezes – ninguém perceba nada. De quando em quando nem a gente nota, nem que nasceu, tampouco que morreu.

A diferença é que a planta tá ali, todo mundo vê. E isso incomoda.

Roberta Simoni

Aniversariar é…

Há quem diga que aniversariar é muuuuito legal. É o que quase todas as pessoas que fazem aniversário acham. Considerando que todas as pessoas fazem aniversário e que a grande maioria gosta disso, eu posso adicionar mais este fato à minha lista de elementos que comprovam que eu sou uma pessoa esquisita. Uma estranha no ninho. Uma anomalia. A ovelha negra da família. Da humanidade. Enfim, uma aberração. Disfarçada de mulher. O que dá no mesmo, porque toda mulher é, de certa forma, uma aberração. Só isso explica o fato de sangrarmos mensalmente e sobrevivermos. E todo mundo conhece essa piada infame que não tem a mínima graça.

Mas eu posso contar a piada mais infame do mundo, porque eu estou prestes a fazer aniversário e isso torna tudo muito difícil pra mim, especialmente depois de receber um e-mail do “Google Alerts” avisando que há uma nova publicação na internet onde meu nome foi citado… num site de vídeos pornôs. Não, não… melhor ainda, o alerta dizia assim: “Roberta Simoni – PORNOSTAR” (sou chique, tá meu bem? Sou STAR!). Bom… há muitas Robertas por aí, mas poucas têm o sobrenome “Simoni” (que o mio nono importou lá da Itália). Por via das dúvidas, fui verificar, vai que alguém instalou uma câmera escondida na minha casa, vai que… né?

Acabei descobrindo três possíveis explicações para este fenômeno: 1) alguém, por algum motivo que jamais saberemos, resolveu “taguear” esse (o meu?) nome em um site pornô, apesar de eu desconhecer a existência dele (pelo menos desse…) até o presente momento; 2) Roberta Simoni virou nome de guerra, 3) Existe por aí uma Roberta Simoni loira e com seios dez vezes maiores que os meus e 20 litros mais pesados.

Agora, pornografia e seios à parte, mas nem tão à parte assim. Comecei a sentir um tremendo incômodo nos meus, junto com uma cólica sem razão de existir, pausei a escrita para fazer xixi, e… pois é. Quem diria? Não obstante a inconveniência da visita fora de hora, sua chegada com mais de dez dias (eu disse mais de 10, d-e-z!) de antecedência indica que: 1) além do maldito inferno astral, eu estava de TPM; 2) meus hormônios estão tão descompensados quanto eu; 3) eu estou descompensada por consequência dos meus hormônios e não o contrário; 4) fazer aniversário é prejudicial à minha saúde, inclusive a mental; 5) eu fui punida por causa da minha piada infame, 7) nenhuma das alternativas anteriores.

Dito tudo isso, é possível compreender melhor este mal estar de véspera de aniversário. Não que eu não suporte a ideia de envelhecer, o que eu não suporto é perceber que a idade aumenta, mas o salário não. Envelhecer em si, chegando perto dos trinta, ainda (eu disse ainda!) não chega a ser um drama. Acho que o problema nem está em fazer aniversário, a culpa é toda da palavra “comemorar”. Temos que comemorar! Temos que comemorar! Não, na verdade, comemorar não é problema, a culpada é a palavra TER… ter que comemorar, ter que ser um dia especial, ter que pensar no que fazer, ter que comprar o bolo, ter que convidar a tia Creuza, ter que aturar a noiva do Gerônimo a tiracolo. Pronto, acabou a festa!

Mas os meus pais ligaram dizendo que estão vindo pro Rio comemorar comigo e isso me deixou muito contente porque é a primeira vez que que eles fazem isso em 9 anos, desde que me mudei pra cá. O que, por outro lado, me deixou extremamente preocupada porque 1) eu vou ter que faxinar a casa correndo; 2) eles só colocam os pés no Rio de Janeiro em caso de vida ou morte, ou melhor, em caso de “morte ou morte”, tamanha implicância com a cidade que escolhi para viver (sem justificativa, é claro…), 3) eles estão realmente preocupados comigo, embora eu jure de pé junto que não tenho pensamentos suicidas.

Só sei que, apesar de eu ainda não fazer a menor ideia do que vou fazer, de repente eu fiquei muito animada com a comemoração de mais uma primavera, mas aí, de repente, eu vislumbrei a cena do Juninho cantando: “A-ha, u-hu, ô Beta eu vou comer seu bolo…” ou ainda, “A chuva cai, a rua inunda, Roberta eu vou comer seu bolo…”

Mas poderia ser pior… espera aí! Lembrei, lembrei… a culpa é do “Com quem será?”. Na minha infância eu tinha verdadeiro pânico quando cantavam essa música pra mim na hora do parabéns, desde então, tomei pânico de aniversário. É claro, é isso! O mundo todo faz sentido agora.

E eis que 27 anos depois vou me libertar. Essa música não me incomoda mais, embora ninguém tenha encontrado uma resposta até hoje para a fatídica pergunta: “Com quem será que Roberta vai casar?”

Se a minha avó estivesse lendo o meu blog agora, ela teria uma resposta na ponta da língua: “com ninguém, essa daí é caso perdido, vai esperar eu morrer para me dar o bisneto que eu tanto peço!”

E, pronto, eu já tô rindo só de pensar nela falando isso, enquanto escrevo e saboreio o meu de-li-ci-o-so toddynho de caixinha e penso no quanto é bom ultrapassar gerações mantendo antigos hábitos! Já é um feliz aniversário… e eu quero é bagaceira, nem que seja com achocolatado!

Afinal, aniversariar é… inevitável.

Roberta Simoni

Pra quê criar quando se pode copiar?

Eu venho protelando para tocar nesse assunto há algum tempo, mas como tem sido crescente o número de textos meus plagiados na internet, resolvi tocar na ferida que, fatalmente, é mais dolorida em mim do que em quem me copia.

Se por um lado ter meus textos plagiados indica que tem gente gostando do que eu escrevo (agradecida, sim?!), por outro lado, não é nada agradável vê-los espalhados por aí sem a minha autoria sequer mencionada ou, como na maioria das vezes, assinados por outras pessoas. É como ter a minha personalidade estuprada.

Dramática, eu? Pois então dedique horas (e até dias…) produzindo um texto, dê o seu melhor, gaste sua energia, use suas vírgulas mais pessoais, suas interrogações íntimas, suas aspas sugestivas, suas exclamações efusivas para, no final, ter as suas reticências roubadas…

Quem já experimentou, sabe. Não é gostoso.

Não raro eu recebo denúncias de leitores que encontram crônicas ou contos que escrevo em outros sites, blogs ou redes sociais, sem os devidos créditos, ao contrário do que manda a boa etiqueta, os bons costumes e a lei nº 9610 sobre direitos autorais.

Uma dessas denúncias em especial me despertou uma pequena e momentânea fúria, velha conhecida minha, antes adormecida e que agora provoca este presente e singelo desabafo…

Uma criatura sem escopo que teve a fineza de me copiar, assinar no meu lugar e tomar para ela os relatos das minhas experiências pessoais. Ok, eu sei que de certa forma, deixa de ser pessoal quando se torna público mas, me pergunto: o que leva alguém a querer contar uma história que não viveu como se tivesse vivido, com sensações que não sentiu como se tivesse sentido, descrevendo-as com a riqueza dos detalhes únicos e exclusivos que só o autor sabe? É vontade de viver a mesma coisa? É para compartilhar? Se a intenção é compartilhar, ótimo, é esse também o meu intuito ao publicar. Se eu não quisesse contar, guardava na minha gaveta ou no meu pendrive, certo?

A questão é: compartilhar é dividir, não tomar para si.

Tenho o hábito de dar nome aos bois e só não o faço quando não descubro nem mesmo a origem do pasto. Por isso, seguindo a lógica do bom senso (ou do pasto…), se provar do leite que ofereço e apreciar, ainda que não vá muito com a minha cara, faça a gentileza de citar o nome da dona das tetas. A escritora aqui, ou a vaca que fornece, agradece! 😉

E, pra essa gente sem criatividade, senhor, piedade!

Penso, logo…

Enquanto isso, através dessa parede fina, eu ouço em alto e bom tom os dois duelando verbalmente e não consigo decidir qual deles tem mais razão, nem quem tem maior dom de persuasão…

– (…) Mas, por que perdeu o sentido?

– Porque perdeu.

– Vai me dizer que perdeu a graça também?

– É. Perdeu. A graça. O sentido. A razão de existir…

– Não dá para perder o que nunca se teve.

– O que eu nunca tive? Graça? Sentido? Razão de existir?

– Razão de existir, talvez. Essa sua mania de querer encontrar sentido em tudo é esquizofrenia, sabia?

– Não me diga? Virou psiquiatra agora? Então me diga, “doutor psiquê”: você nunca questiona o sentido de nada?

– Não precisa fazer sentido sempre.

– Existir basta?

– Quase. Viver é o suficiente.

– E qual a razão de existir quando não há nenhum sentido?

– Se eu me fizesse essa pergunta seria como você, viveria buscando a lógica da vida e esqueceria de viver.

– Não é verdade!!! É verdade??? Ok. É verdade.

– Você pensa demais…

– Você sente demais…

– Não se ocupe tanto procurando sentido pro que eu sinto!

– Eu faria isso se não fosse o seu cérebro. E você deveria agradecer e aproveitar que tem um para usar.

– Eu usaria e agradeceria depois, nessa ordem, se você fosse mais eficiente…

– Eu seria, se você me deixasse pensar melhor…

– Eu deixaria, se você não me impedisse de viver.

– Penso, logo existo. E quanto a você?

– Eu não penso, logo vivo.

– Ou vive tanto que, logo, não pensa…

– Ou isso.

(… e agora? Quem poderá me defender de um coração e um cérebro igualmente persuasivos?)

Roberta Simoni