Adeus às juras de amor eterno trancadas sobre o Rio Sena

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A Pont des Arts, em Paris, que ficou popularmente conhecida como “Ponte do Amor” por ter se tornado um santuário para casais apaixonados que procuravam imortalizar seu amor deixando um cadeado com suas iniciais preso às grades metálicas de proteção da ponte se tornou uma ameaça à segurança. Segundo a prefeitura de Paris, os cadeados estragam a estética da ponte, são estruturalmente ruins e podem provocar acidentes.

Depois de uma parte da grade ter entrado em colapso por causa do peso, representando um risco potencial para a navegação no rio Sena, as autoridades decidiram pela retirada dos milhares de cadeados, que representavam um peso de mais de 45 toneladas. As grades serão substituídas por painéis cobertos de arte de rua e, posteriormente, ganharão uma proteção de acrílico para impedir que o ritual romântico seja retomado.

Um casal de turistas, que saiu da América e viajou até a Europa com o intuito de eternizar seu amor em Paris declarou: “Nós viemos com a ideia de colocar um cadeado, mas descobrimos que está fechado e agora é ilegal, por isso nós vamos prendê-lo aqui no final da ponte para que ninguém possa ver.”

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A partir da declaração do casal, na notícia que li no site do G1, construí a seguinte trama. Acompanhem:

Satisfeitos por terem conseguido prender o cadeado num cantinho escondido e menos cobiçado da ponte, marido e mulher recém-casados, voltaram para o hotel onde haviam acabado de se hospedar, trocaram mais juras de amor eterno e fizeram amor como nunca. Depois, com os corpos entrelaçados debaixo dos lençóis, com a respiração ainda ofegante, lembraram do feito ilegal mais cedo, na ponte, e riram. Tudo era motivo de riso, sobretudo porque estar em Paris já é motivo suficiente para alguém se sentir feliz, em especial para o casal, que planejou a viagem de lua-de-mel com tanta antecedência e guardou suas economias durante tanto tampo para tornar aquela viagem possível.

Sendo assim, o sonho de conhecer Paris não estaria completo se não conseguissem prender o cadeado que simboliza o amor eterno dos dois, mesmo que pra isso precisassem passar por cima da lei vigente que proíbe o feito. “Ninguém vai perceber”, pensaram.

No segundo dia em Paris, ele queria conhecer o Museu do Louvre, mas ela insistia em ir até a Torre Eiffel para tirar uma foto e postar no Facebook, afinal, estar em Paris e não tratar de ter logo um registro diante do maior símbolo da cidade era como se não estivessem lá. O dia amanheceu nublado e logo que saíram do hotel começou a chover fininho. Diante da temperatura climática pouco favorável, o marido fez de tudo para tentar convencer a mulher a abandonar a ideia de visitar a Torre Eiffel naquele dia. Mas nem a chuva nem o argumento de que ainda teriam uma semana para passear pela cidade fez a mulher mudar de ideia. Ela estava irredutível.

Aquela teimosia sem um propósito louvável, fez com que ele se irritasse profundamente a ponto de não pronunciar uma só palavra no trajeto até o local. E quanto mais ela perguntava o que estava acontecendo, mais ele se irritava. As fotos do casal diante da Torre foram, possivelmente, as piores de toda a viagem. Não porque a chuva tivesse atrapalhado ou porque a falta de luz por conta do céu cinzento tivesse prejudicado tanto assim mas, porque ele saiu de cara emburrada em todas as fotos. Ela acabou escolhendo a foto onde aparecia sozinha para publicar no Facebook. Na legenda, escreveu: “Nem mesmo esse tempo chuvoso é capaz de tornar Paris menos bonita, ainda mais na companhia do meu amor.”

Enquanto ele tentava traduzir o cardápio do restaurante para decidir o que pedir para o almoço, ela verificava o celular. Centenas de curtidas na foto. Quando ele começou a reclamar que ela não largava o telefone, ela finalmente o colocou sobre a mesa, mas toda vez que chegava uma notificação, ela tornava a pegá-lo para ver quem havia curtido a foto e o que haviam comentado. Ele só queria que eles decidissem o que iam pedir, pois estava faminto. Ela, no entanto, parecia plenamente satisfeita saciando sua vaidade.

Na manhã seguinte, ela acordou animada, foi até a janela, abriu a cortina e disse: “Bom dia, meu amor… está fazendo um dia lindo lá fora. Acorda! Vamos sair.” Ele olhou o relógio. Ainda nem eram oito da manhã. Colocou o travesseiro na cara para tentar se esconder da claridade e voltar a dormir. Ela sabia que ele não ia conseguir levantar tão cedo, então tratou de deixá-lo na cama por mais algum tempo enquanto tomava banho e se arrumava. Quando já estava pronta, tornou a acordá-lo. Ele custou alguns minutos para sair da cama, e custou ainda mais tempo para sair do banheiro e, quando saiu, ainda estava só de cueca. Ela tentou apressá-lo para não perderem o café da manhã do hotel. Ele argumentou que não sente fome de manhã, pediu que ela fosse sozinha e prometeu que quando voltasse, estaria pronto para saírem. Só que quando ela voltou, deu de cara com ele dormindo, do mesmo jeito que estava quando o deixou. Naquele dia, eles nem saíram do hotel, de tanto que brigaram.

No outro dia ela resolveu ceder e concordou em irem até o Louvre, embora preferisse infinitamente fazer compras. Ele ficou maravilhado com o museu, e aquilo a deixou feliz. Eles pareciam estar finalmente se entendendo. O que ela não supunha é que para conhecer o Louvre, eles precisariam percorrer o museu por muitas horas, talvez o dia inteiro. Logo a felicidade se transformou num tédio incontrolável, que refletiu em queixas de cansaço, fome e vontade de ir ao banheiro. Assim que alcançaram o salão onde fica exposto o quadro da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, ela o convenceu a irem embora. Ele saiu frustrado por não conseguir conhecer o museu todo.

Dali em diante, todos os passeios, por mais bonitos e ensolarados que estivessem os dias, foram chatos. Nem mesmo a grandiosidade da Catedral de Notre-Dame ou a beleza do Jardim de Luxemburgo os encantaram. E eles discutiam o tempo todo, por qualquer bobagem.

No último dia de viagem, depois de fazerem o check-out no hotel, tomaram um táxi para o aeroporto. No caminho, passaram pela Pont des Arts. Ela viu homens trabalhando e guindastes retirando as grades repletas de cadeados. Notou que até mesmo a última grade da ponte, onde haviam prendido o cadeado e feito juras de amor, tinha sido retirada. Suspirou, chateada.

Embora namorassem há algum tempo, aquela era a primeira viagem que faziam juntos. E acabaram descobrindo, da pior forma, que não eram parceiros ideais em viagens. O que levou ambos a questionarem se não eram, também, compatíveis na vida. Tão logo voltaram para casa e começaram a rotina de casados, se descobriram profundamente infelizes. Não demorou muitos meses até que optassem, de comum acordo, pela separação.

Ele decidiu que casamento não era coisa pra ele. Ela, até hoje, acha que a culpa é do cadeado, que deu azar.

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O que aprendemos com a retirada das grades com os “cadeados de amor” da Pont des Arts na história sem final feliz do casal de turistas? 

Nada. No máximo, que uma coisa não tem nada a ver com a outra. O casamento pode não der dado certo por inúmeros motivos: porque eles não se empenharam tanto, porque não havia amor suficiente, porque eles não tinham nada em comum ou simplesmente porque não era pra ser. Mas o cadeado, coitado, nada tem a ver com o rumo dessa história.

A verdade é que nós adoramos rituais românticos ou, pelo menos, boa parte da humanidade gosta e, por isso, lamentamos o triste fim da “Ponte do Amor”, especialmente os casais que tinham seus cadeados presos à ela.

Agora, o que aprendemos com a retirada das grades com os “cadeados de amor” da Pont des Arts do ponto do vista metafórico?

Aprendemos que se nem uma ponte com grades de metal suporta o peso de tantos cadeados, o que dirá nós? Cadeados pesam. Também prendem e protegem mas, sobretudo, pesam.

Além do óbvio, que é senso comum, sobre juras de amor não serem eternas (e também o amor que, quase sempre, acaba tendo o mesmo fim que os cadeados presos às grades), estou usando a ponte descaradamente como metáfora para chegar a mais uma conclusão: a gente faz com os nossos relacionamentos algo bem semelhante àquilo que os casais apaixonados fizeram com a ponte francesa. Colocamos cadeados enormes e pesadíssimos nas nossas relações amorosas. Existem cadeados de vários formatos, cores, tamanhos e pesos, mas o maior e mais pesado deles é o cadeado da expectativa.

A gente sabe disso e, mesmo assim, entra e sai das relações insistindo nesse erro. Nós somos realmente muito bons nisso. Temos verdadeiros “criadouros de expectativas”. Então, se a gente decidir seguir em frente com isso, que, pelo menos, as chaves dos cadeados não sejam jogadas no rio, de onde é praticamente impossível recuperá-las mas, entregues nas mãos dos nossos parceiros, para que eles decidam o que fazer com elas: permanecer acorrentados aos cadeados, tentando suprir ou alcançar nossas expectativas, ou se libertar deles.

No melhor dos mundos a gente não chega nem a usar cadeados para, no fim, ninguém ter que decidir o que fazer com chave nenhuma.

Criar expectativas acerca do outro e/ou em torno da relação é quase tão inevitável quanto impedir que uma ponte repleta de cadeados desabe. Para evitar que alguém saia ferido de um possível acidente, a prefeitura de Paris está tomando providências. Sigamos o exemplo da Cidade Luz.

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Foto: Stephane De Sakutin/AFP

Roberta Simoni

Enquanto isso, em Paris…

Esses dias meu ex-namorado veio me perguntar se eu tinha mandando um e-mail para a atual namorada dele… hein?

Por que eu faria isso? Mesmo se a minha louça estivesse toda lavadinha (o que não é o caso) e eu não tivesse coisa melhor para fazer, eu trataria de arrumar.

– Por que, diabos, eu mandaria um e-mail para a sua namorada?

– Sei lá. Ela disse que você mandou.

– Ah, é? O que eu dizia no suposto e-mail? Desculpa, mas não consigo me lembrar…

– Não sei direito, mas parece que você dizia que apesar de vocês não serem amigas, você não gostaria que fossem inimigas e coisa e tal… um e-mail “de boa”…

– Sei. E você acreditou?

– Sei lá…

Sei lá por que um cara que supostamente me conhece tão bem consegue conceber essa cena: eu, sentada na frente do meu computador, escrevendo um e-mail para a namorada dele. Sei lá por que a namorada dele inventou isso. Sei lá por que uma mulher de trinta e tantos anos age dessa forma. Sei lá como arruma tempo pra esse tipo de coisa. Sei lá.

Só sei que depois de pensar, pensar e não chegar a nenhuma conclusão, me senti no direito de inventar, eu mesma, uma razão.

Ontem eu escrevi no meu twitter que eu ainda tenho mil histórias para contar e um milhão para inventar. Ela também tem as dela. Todos temos. E, algumas dessas histórias que temos pra contar têm de ser invenção mesmo, porque assim ficam mais interessantes. Não importa a razão, não importa o que te faz querer contar uma história que não aconteceu, não importa que pensem que você é um mentiroso. Desde que seja uma mentira inocente, que não prejudique a ninguém e te faça qualquer bem, fantasie. Não faz mal se te faz bem.

Meu telefone tocou e era a minha mãe perguntando se eu ia mesmo ficar em casa na véspera do feriado. Eu disse que sim porque pretendia acordar cedo para comprar uma baguete no bistrô da esquina, já que aqui nesse hotel servem um pão dormido, e como eu estou em Paris, por que não comprar eu mesma meu pão francês fresquinho e sair carregando-o debaixo do braço como fazem as mulheres chiques daqui? Merci, mamãe, ficarei aqui mesmo e amanhã te enviarei um postal lindo da cidade.

Por sorte mamãe estava com meu sobrinho no colo fazendo uma algazarra danada e ela mal conseguia entender o que eu falava: “o que você tá dizendo, menina?”

“Nada não, mãe…” – eu respondi, rindo. Nos despedimos e eu desliguei o telefone sentindo uma vontade tão grande de acordar em Paris que, se não fosse pela falta de grana, eu teria comprado as passagens imediatamente e, a essa altura, já estaria a caminho da cidade luz.

Às vezes vocês não imaginam coisas estúpidas, tristes ou divertidas? Vez ou outra não sentem saudade daquilo que nunca viveram? Pois. Eu sim. De quando em quando fecho os olhos e visualizo cenas inteiras, com detalhes (incluindo os sórdidos). É como se eu visitasse universos paralelos e, nesses universos eu sou autora, roteirista, diretora e atriz. E nos meus filmes acontecem coisas das mais extraordinárias às mais triviais. Das mais improváveis às mais possíveis.

Vou de um hotel em Paris à porta da minha geladeira. Imagino de uma conversa franca com Deus a um telefonema de trabalho. Invento que sou rica e fico imaginando que loucura deve ser a vida na classe média. Eu invento situações para testar emoções. É como provar o sabor das possibilidades.

Nunca inventei receber e-mail de ex-namorada de nenhum namorado meu, não. Pelo menos não até hoje, mas agora compreendo quem precisa inventar. Quem alimenta a imaginação não morre de tédio.

E eu, que não enviei nada, provocada por um e-mail imaginário, fiz melhor: escrevi um texto.

Agora eu preciso ir porque o dia amanhece e o cheiro da baguete fresquinha tá invadindo o meu quarto. Querem alguma coisa de Paris?

Roberta Simoni