Procura-se Sentido


Amelie Poulain

Os sábios dizem que a gente veio ao mundo para aprender. Os religiosos defendem a ideia de que viemos ao mundo para evoluir. Os espiritualizados dizem que reencarnamos para queimar carmas. Os cabalistas acreditam que estamos aqui para receber e compartilhar luz. Há, ainda, quem garanta que pedimos para nascer, que escolhemos estar aqui e passar por tudo o que passamos. Não sei a resposta, mas todas essas alternativas fazem muito sentido pra mim, embora a vida, boa parte do tempo, não me pareça ter o menor sentido.

Na minha inocência infantil, eu passei muito tempo achando que eu tinha vindo parar aqui para ser feliz, quando, por fim, notei que felicidade é coisa que dá e passa, assim como os sentimentos de todos os gêneros. Mas então, peraí… a gente tá aqui para sofrer? É isso? Também não. Mas para ser feliz, garanto que não é. Se fosse, felicidade seria uma conquista ou um direito de todos, seria como na música do Chico: “(…) e pela minha lei, a gente era obrigado a ser feliz.” Somos obrigados a fazer uma lista infinita de coisas, muitas em nome da lei, mas cadê a lei que obriga a gente a ser feliz. Cadê?

Vai daí que um belo dia você acorda e descobre que tudo é cíclico. O que é bom por um lado, pois ganha a compreensão de que não há mal que seja eterno, e ruim por outro lado, pois entende também que não há bem que dure para sempre. Ok, entendi, vida. Mas e quando a gente cansa dessa gangorra interminável que é você? Eu, inutilmente, por vezes peço para o mundo parar porque eu quero, desesperadamente, descer. Mas o mundo continua ali, me ignorando e rodando, me ignorando e rodando. Porque, né, eu tô longe de ser o centro do universo.

Uma vez, no parque de diversões, eu fiz um brinquedo parar para eu descer. Aos berros e prantos, sem me importar com a vergonha de expôr o meu medo diante de todo mundo, esgoelando a minha coragem, firmada com tanto afinco após tantas subidas em grandes árvores e escaladas de altos muros, sem me importar com a chacota das outras crianças, eu não dei outra alternativa ao maquinista senão parar a geringonça que me jogava para o alto e para baixo, de um lado para o outro sem parar. Quem dera a vida fosse um parque de diversões. Mas aqui não tem pirraça que faça mudar o curso natural das coisas, não há maquinista que se sensibilize com meus singelos apelos.

Aí a gente acorda, come, toma banho, trabalha, estuda, toma banho, come, dorme e no dia seguinte faz tudo de novo e depois e depois. Tudo isso sem sequer parar para pensar no sentido de cada ação. Nesse intervalo, a gente ri, chora, se sente feliz, triste, animado, frustrado, excitado, angustiado, eufórico, indisposto. Vazio de tudo, cheio de nada, vazio de nada, cheio de tudo.

De repente, um sorriso muda tudo, um beijo, um olhar de cumplicidade, um pôr-do-sol, uma palavra, uma noite bem dormida, uma boa notícia, um orgasmo. Um único gesto traz de volta o sentido de tudo e outro, lá na frente, rouba o sentido das coisas novamente. Um acontecimento ou um não acontecimento. Gangorra acima, gangorra abaixo. Sobe e desce. Vai e volta. Perde e ganha. Cai e levanta. Até o fatídico dia em que a gente não levanta mais. Tudo vira pó, açúcar, nuvem. Lembrança e saudade pra quem fica aqui, de pé.

Vida, essa sucessão de batalhas físicas e psicológicas das quais enfrentamos sem compreendermos nem a metade. Esse mistério que eu nunca vou conseguir desvendar, mas não sem protestar por uma pausa, uma descida do balanço, um tempo da gangorra, um bocado de dignidade e algumas porções (mesmo que venham em pequenos frascos) de qualquer coisa parecida com equilíbrio.

Ah… e o sentido? Bom, acho que só tem um: pra frente.

Roberta Simoni

Penso, logo…

Enquanto isso, através dessa parede fina, eu ouço em alto e bom tom os dois duelando verbalmente e não consigo decidir qual deles tem mais razão, nem quem tem maior dom de persuasão…

– (…) Mas, por que perdeu o sentido?

– Porque perdeu.

– Vai me dizer que perdeu a graça também?

– É. Perdeu. A graça. O sentido. A razão de existir…

– Não dá para perder o que nunca se teve.

– O que eu nunca tive? Graça? Sentido? Razão de existir?

– Razão de existir, talvez. Essa sua mania de querer encontrar sentido em tudo é esquizofrenia, sabia?

– Não me diga? Virou psiquiatra agora? Então me diga, “doutor psiquê”: você nunca questiona o sentido de nada?

– Não precisa fazer sentido sempre.

– Existir basta?

– Quase. Viver é o suficiente.

– E qual a razão de existir quando não há nenhum sentido?

– Se eu me fizesse essa pergunta seria como você, viveria buscando a lógica da vida e esqueceria de viver.

– Não é verdade!!! É verdade??? Ok. É verdade.

– Você pensa demais…

– Você sente demais…

– Não se ocupe tanto procurando sentido pro que eu sinto!

– Eu faria isso se não fosse o seu cérebro. E você deveria agradecer e aproveitar que tem um para usar.

– Eu usaria e agradeceria depois, nessa ordem, se você fosse mais eficiente…

– Eu seria, se você me deixasse pensar melhor…

– Eu deixaria, se você não me impedisse de viver.

– Penso, logo existo. E quanto a você?

– Eu não penso, logo vivo.

– Ou vive tanto que, logo, não pensa…

– Ou isso.

(… e agora? Quem poderá me defender de um coração e um cérebro igualmente persuasivos?)

Roberta Simoni

Como explicar?

Eu não sei explicar. E são tantas as coisas que eu não sei explicar, que mal sei por onde começar. Mas, vou tentar…

Vou começar por um fato que aconteceu essa semana, no supermercado. Meu alvo: o empacotador de compras. 

Lá estava ele, quieto, distraído empacotando as compras da senhora à minha frente. E eu, na fila, impaciente com a demora, como sempre. De repente, parei e comecei a prestar atenção na moça do caixa e nele, trabalhando feito máquinas. Mas, alguma coisa naquele rapaz me chamou a atenção. Não, ele não era bonito, nem charmoso. E o que eu senti não foi atração…

Nem foi pena também. Eu sei que sentir pena é feio, mas eu sinto mesmo assim. Não é de propósito, nem porque eu acho legal ter pena de alguém, mas eu sinto ué. E, às vezes, sinto pena de gente que as pessoas não sentem, e nem sempre sinto de quem as pessoas consideram dignas de pena. Vai entender…

Vejo algumas pessoas que tenho vontade de botar no colo, de proteger, de levar para casa, tenho vontade ajudá-las a perceber o quanto são especiais, e isso não é, necessariamente, ter pena delas. É como se eu identificasse algo de muito positivo nelas, e quisesse tê-las por perto, mesmo sem nada saber a seu respeito.

Eu sei que não se deve julgar o livro pela capa, e por mais que pareça, não acho que seja exatamente isso que eu faça nessas circunstâncias. É como se – além da aparência – eu pudesse enxergar a aura de algumas pessoas, e quando o que vejo/sinto é bom, o efeito é sempre esse: vontade de fazer alguma coisa de boa por elas.

Foi assim com o empacotador essa semana. Ele tinha uma expressão tão serena, uma luz tão forte, tão boa, no entanto, parecia ser tão frágil, tinha um olhar tão distante, tão perdido. Era tão triste.

Pessoas assim me emocionam, sem querer, sem ter um por quê. Essas que normalmente passam batidas na multidão, que estão sempre no canto de algum lugar, escondidas, quase apagadas, como se fossem invisíveis aos nossos olhos que, com o tempo, ficam limitados, passam a observar só o que nos desperta atenção e interesse. É assim que coisas e pessoas aparentemente comuns – porém interessantíssimas, e com uma história de vida mais interessante ainda – passam por nossas vidas sem serem notadas.

Queria poder dizer à elas que eu as vejo, e, de vez em quando, consigo até enxergar nelas o que para a maioria passa despercebido. Por vezes sinto suas dores, e suas alegrias.

Mas meu atrevimento tem limite, e, na maioria das vezes, me contento – um tanto quanto descontente – a dar-lhes apenas o meu sorriso. O meu melhor e mais verdadeiro sorriso.

Não se preocupem. Eu não espero que vocês entendam meus devaneios, é claro. Até porque isso parece papo de bêbado, eu sei. E também acho enigmático demais. Mas eu sinto, só sei que sinto.

Roberta Simoni