Eu não sei quantas vezes e em quantos pedaços o meu coração já se partiu. Mas garanto que foram muitas vezes e em muitas partes. O irônico é que ninguém supõe. Quem me vê andando na rua de vestido colorido, com meus fones de ouvido, balançando a cabeça e cantarolando, pensa que eu carrego um coração intacto no peito. Quem diria que, muitas das vezes, ando carregando meu coração no bolso?
Ontem foi um dia difícil, desses em que tudo que se quer é ficar na cama, chorar baixinho no travesseiro ou abrir o berreiro em frente ao espelho para se compadecer da própria imagem sofrível. Ontem não foi a primeira vez que me senti assim, nem a última, suponho. Ontem foi só mais um dia muito, muito difícil de encarar a vida, mesmo assim eu encarei. Levantei da cama, fui até o banheiro, ajeitei meu cabelo diante do espelho, fiz um rabo de cavalo, não tive vontade alguma de me maquiar ou disfarçar as olheiras, só me dei ao trabalho de me esconder atrás dos meus óculos escuros enormes, coloquei meu coração no bolso e saí à rua.
E no momento em que atravessei a portaria do meu prédio, algo inusitado e insólito me aconteceu.
Eu não sei o que teria sido de mim se eu estivesse sem meus óculos escuros para disfarçar a minha cara de espanto ao perceber que, ao passar pelas pessoas na rua, eu podia enxergar seus corações. Eu sei que parece loucura, insanidade total, e não deixa de ser. Mas eu não tenho culpa se, de uma hora pra outra, as pessoas começaram a aparecer com suas almas despidas diante de mim. Olhar para elas daquele jeito foi tão inevitável quanto se estivessem andando nuas na minha frente.
E o que eu vi foram muitos, muitos corações partidos, alguns menos despedaçados do que outros, mas a grande maioria cheia de ranhuras, remendas e rachaduras. Alguns me pareceram secos, murchos. Eram poucos os que tinham uma aparência razoavelmente saudável. Mas todos, no entanto, tinham a mesma característica: ainda pulsavam.
O moço da banca de jornais que se esqueceu como é sorrir, tinha um dos corações mais áridos que eu já vi na vida. O rapaz passeando distraído com seu cachorro me pareceu jovem demais para ter um coração tão remendado. A senhorinha falante na fila do caixa do supermercado tinha o coração tão, tão apertado que parecia uma ervilha. A menina que passou por mim sem me ver, mexendo freneticamente no celular tinha um olhar tão assustado quanto seu coração, que pude escutar pulsando antes de virar a esquina. A moça que me atendeu na cafeteria tinha um coração tão frágil quanto suas pernas, que davam passos trôpegos. O homem de cabelos grisalhos que atravessou a rua do meu lado, secando na camisa as lágrimas que insistiam em cair, tentava a todo custo engolir de volta o coração que estava prestes a sair pela boca.
Passei também por uma minoria de corações que me intrigaram: eles estavam quase intactos, e não coincidentemente pertenciam aqueles que tinham o semblante mais triste que vi ao longo do dia. Mas, com corações tão bonitos, não deveria ser o contrário? Não. Afinal, se o coração está inteiro é porque foi pouco usado. Só corações em desuso estão livres das ranhuras. Se eles não usam, não gastam. E se não gastam é porque não vivem. De duas, uma: ou eles ainda não começaram a viver ou já morreram e ainda não sabem.
O que eu descobri depois de um dia inteiro passando por todos esses corações transeuntes foi que todo mundo já sofreu por amor pelo menos uma vez na vida e quem ainda não sofreu, está prestes a sofrer a qualquer momento (e não, isso não é uma maldição).
A verdade é que a grande maioria das pessoas anda por aí de coração partido. E o mais impressionante é que, mesmo assim, elas andam, falam, dormem, acordam, comem, sorriem, levam o cãozinho para passear, vão ao supermercado, trabalham, falam ao celular, vão ao cinema, ao teatro, andam de metrô, sentam numa mesa de bar e brindam à vida. Essa mesma vida que segue, sem querer saber se a gente tá ou não com o coração em frangalhos.
Porque é aquilo, né? O coração continua batendo…
Roberta Simoni