Dialogando no Escuro

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Quando o Mário Di Poi, meu amigo paulistano, me convidou para visitar a exposição “Diálogo no Escuro” e me contou que a INPUT Arte Sonora era responsável pela produção e instalação de som, fiquei animada. O trabalho desses caras é sempre incrível e eu sou fã de carteirinha do Alexandre Guerra, amigo querido, que foi quem compôs a trilha sonora da exposição.

Mas até aí tudo que eu sabia era que havia um dedinho do Alê e do Mário na exposição e isso já era um prenúncio de boa coisa, mas foi só quando cheguei no Museu Histórico Nacional e entrei na exposição é que comecei a ter uma vaga noção da experiência que eu viveria nos próximos minutos. Mesmo assim ainda era uma noção muito, mas muito vaga.

De antemão já digo que, de todas as exposições interativas que visitei até hoje, essa foi a que mais gostei e a que certamente nunca vou esquecer do que “vi”, impossíveis de fotografar e de registrar com a memória visual porque – como o nome da exposição já sugere – ela acontece toda no escuro e, na ausência do sentido da visão, os outros sentidos (especialmente o da audição e do tato) ficam apurados e viram os nossos “olhos”.

O conceito da exposição é mostrar como é o mundo sem o sentido da visão. Os visitantes são conduzidos por guias deficientes visuais através de salas totalmente escuras, em que cheiro, som, vento, temperatura e textura apresentam as características de ambientes cotidianos como parques, ruas, comércios e praias.

Durante 45 minutos a sensação é a de estar na pele de um deficiente visual. E o que eu achei mais emocionante durante o percurso foi ter confiado plenamente cada passo meu na voz da minha guia, que também não podia ver, mas já condicionada à cegueira, é capaz de enxergar no escuro tudo o que eu não consigo ver.

Dentre as várias sensações, reflexões e desafios que a exposição proporciona, a de sair da nossa zona de conforto para mergulhar num universo completamente novo é uma das mais ricas. Nessa inversão de papeis, somos nós que damos passos cegos num terreno desconhecido e que, no entanto, é o mundo comum dos nossos guias.

Logo que se entra no primeiro ambiente, mesmo com a possibilidade de se apoiar nas paredes e usar a bengala, a sensação de cegueira absoluta é um tanto angustiante. Nossos olhos aflitos ficam buscando algum ponto de luz para usarem como referência e, como não encontram, nossa audição toma o controle da situação e é a voz de quem nos guia que nos conforta e nos faz sentir seguros, além, é claro, da consciência de estarmos dentro de um ambiente especialmente projetado para que pessoas sem o menor traquejo consigam transitar no escuro em segurança.

Quando a angústia passa e nos sentimos mais à vontade no breu é que começamos, de fato, a dialogar no escuro. E é aí que a magia acontece.

A exposição já passou por vários lugares do mundo, esteve em São Paulo e está no Rio desde o começo de março e eu não teria ouvido falar a respeito dela se não fosse pelo envolvimento dos meus amigos na montagem. Tenho falado da exposição para todo mundo na intenção de divulgá-la, uma vez que não vejo divulgações pela cidade e considero uma experiência única e imperdível, tanto que repeti a dose ontem, com a desculpa de levar minha amiga Gabs para conhecer.

As duas visitas foram incríveis. Se a primeira foi mais emocionante pelo fator surpresa, a segunda foi mais interessante, pois já estando um pouco familiarizada com o ambiente, consegui prestar mais atenção nos detalhes e testar melhor meus sentidos. Cibele e Verônica, as duas moças que me guiaram durante minhas visitas, foram adoráveis (e pacientes, respondendo minhas perguntas, que não foram poucas) . Foi graças a elas também que o passeio foi tão prazeroso.

Mais do que isso não vou dizer pra não dar spoiler e para que você, que tá no Rio (ou que estará nos próximos meses) termine de ler esse texto e vá correndo viver essa experiência. A exposição fica na cidade até outubro, mas há um limite de visitas por dia, por isso os ingressos (R$12 – inteira) são vendidos antecipadamente. Mais detalhes aqui.

Acho difícil alguém sair daquelas salas escuras do mesmo jeito que entrou. Minha empatia natural por deficientes visuais só fez crescer. Mais do que enxergá-los com outros olhos, eu também passei a ver a vida sob uma perspectiva diferente (e eu não tô falando só da ótica visual). Além de sensibilizar e conscientizar, a exposição aproxima universos e quebra barreiras.

Mexeu comigo de um jeito que eu ainda não consigo descrever. Alcançou uma parte de mim que na claridade não dá pra ir porque é impossível encontrar o caminho. Um lugar que só se chega tateando o escuro. Uma paz que eu só encontro quando me perco.

Uma vez um moço fazedor de poesia, domador de palavras e notas musicais, de olhar inquieto e e gestos doces, passou por aqui e disse que meus olhos são como o breu. Talvez seja isso.

Roberta Simoni

A simplicidade de ser/estar viva!

E era simples. Bastava dar literatura a ela e lançá-la à beira-mar antes que o sol desse lugar à noite. De nada mais ela se queixava e até duvidava se você ousasse dizer que ela tinha problemas tantos a resolver. E corajoso do sujeito que tentasse lembrá-la de seus afazeres, que estivesse preparado para ser sumariamente ignorado ao alertá-la da casa e da vida bagunçadas para arrumar, o barulho das ondas quebrando era estrategicamente ensurdecedor.

E era paz. A moça tagarela se calava para ouvir, só assim. E tudo ao redor falava, o livro, o mar, a maresia, as conchas, os grãos minúsculos de areia quando a tocavam. Era o “Deus” dela que conversava quando a calmaria chegava. E ela se escutava. E confidenciava seus segredos ao pé do ouvido do vento, que soprava mansinho para ela não perceber que cochichava com as aves.

E era real. Tocava os pés na água salgada e fria e se encharcava da sensação  maravilhosa que era ter um corpo com sentidos. Sentia-se deleitamente viva e conectada com o mundo bom. E não se envergonhava do prazer exposto ao sol, quando a pele arrepiava seus pêlos com a brisa fria que o fim da tarde trazia e o sol ameno a envolvia num abraço que a aquecia em puro gozo. Depois sorria largo, sem se importar, sem direção, mas com todas as razões que lhe cabiam. E também ria solto pelo que desconhecia, mas sentia. E  ela bem sabia o que sentia.

Roberta Simoni

(Recebi essa foto do Marcelo, lá de Brasília, novo amigo que fiz bem aí, nessa praia, enquanto eu lia meu livrinho. Ele teve a feliz ideia de tirar essa fotografia antes mesmo de me conhecer, e depois teve a coragem de me contar seu feito arteiro, e agora, por fim, me mandou a foto de presente, que me encantou por ser um retrato espontaneamente poético. ;))

Como explicar?

Eu não sei explicar. E são tantas as coisas que eu não sei explicar, que mal sei por onde começar. Mas, vou tentar…

Vou começar por um fato que aconteceu essa semana, no supermercado. Meu alvo: o empacotador de compras. 

Lá estava ele, quieto, distraído empacotando as compras da senhora à minha frente. E eu, na fila, impaciente com a demora, como sempre. De repente, parei e comecei a prestar atenção na moça do caixa e nele, trabalhando feito máquinas. Mas, alguma coisa naquele rapaz me chamou a atenção. Não, ele não era bonito, nem charmoso. E o que eu senti não foi atração…

Nem foi pena também. Eu sei que sentir pena é feio, mas eu sinto mesmo assim. Não é de propósito, nem porque eu acho legal ter pena de alguém, mas eu sinto ué. E, às vezes, sinto pena de gente que as pessoas não sentem, e nem sempre sinto de quem as pessoas consideram dignas de pena. Vai entender…

Vejo algumas pessoas que tenho vontade de botar no colo, de proteger, de levar para casa, tenho vontade ajudá-las a perceber o quanto são especiais, e isso não é, necessariamente, ter pena delas. É como se eu identificasse algo de muito positivo nelas, e quisesse tê-las por perto, mesmo sem nada saber a seu respeito.

Eu sei que não se deve julgar o livro pela capa, e por mais que pareça, não acho que seja exatamente isso que eu faça nessas circunstâncias. É como se – além da aparência – eu pudesse enxergar a aura de algumas pessoas, e quando o que vejo/sinto é bom, o efeito é sempre esse: vontade de fazer alguma coisa de boa por elas.

Foi assim com o empacotador essa semana. Ele tinha uma expressão tão serena, uma luz tão forte, tão boa, no entanto, parecia ser tão frágil, tinha um olhar tão distante, tão perdido. Era tão triste.

Pessoas assim me emocionam, sem querer, sem ter um por quê. Essas que normalmente passam batidas na multidão, que estão sempre no canto de algum lugar, escondidas, quase apagadas, como se fossem invisíveis aos nossos olhos que, com o tempo, ficam limitados, passam a observar só o que nos desperta atenção e interesse. É assim que coisas e pessoas aparentemente comuns – porém interessantíssimas, e com uma história de vida mais interessante ainda – passam por nossas vidas sem serem notadas.

Queria poder dizer à elas que eu as vejo, e, de vez em quando, consigo até enxergar nelas o que para a maioria passa despercebido. Por vezes sinto suas dores, e suas alegrias.

Mas meu atrevimento tem limite, e, na maioria das vezes, me contento – um tanto quanto descontente – a dar-lhes apenas o meu sorriso. O meu melhor e mais verdadeiro sorriso.

Não se preocupem. Eu não espero que vocês entendam meus devaneios, é claro. Até porque isso parece papo de bêbado, eu sei. E também acho enigmático demais. Mas eu sinto, só sei que sinto.

Roberta Simoni

É preciso viver apesar de.

Clarice Lispector

Terminei de ler Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, da Clarice Lispector. Mais um livro maravilhoso. Eu não consigo falar da Clarice sem cair em lugar comum.  Ela é única, escreve com a alma, com emoção, e ao mesmo tempo, sabe trabalhar os sentidos da razão de forma leve e perturbadora, porque te obriga a refletir, te impulsiona a chegar no âmago das questões emocionais, racionais, e irracionais também. Como dizem, Clarice não é para ser lida, e sim, sentida, e como ela mesmo disse: “Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. Ou toca, ou não toca.”

Destaquei vários trechos do livro que me despertaram interesse, mas escolhi falar deste, em especial:

“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.”

Não é que eu esteja vivendo apesar de, é que eu sempre vivi apesar de. Parei para pensar sobre a minha vida e o rumo que ela tomou e lembrei que apesar de, estou vivendo. Apesar de, não desisti. Apesar de, não tentei. Apesar de, eu amo. Apesar de, eu odeio. Apesar de, não enxerguei. Apesar de, não chorei. Apesar de, não sorri. Apesar de, não consegui. Apesar de, eu ganhei. Apesar de, não me esqueci. Apesar de, fui embora. Apesar de, eu permaneci.

Vivemos sempre, sempre, sempre apesar de. E apesar dos pesares, sobrevivemos até aqui.

Não é com tristeza nem alegria que eu escrevo hoje. Na verdade, eu escrevo apesar de. E, apesar de, a despeito de, não obstante, eu escrevo, e sinto, como sinto… e espero – e quero – que os pesares que a vida me impõe todos os dias, tornem-se sempre apesares, porque eu quero ter força e sabedoria para continuar apesar de.

E, apesar de querer, eu não tenho escolha. Essa escolha a vida não me deu, nem nunca vai dar, nem a mim, nem a ninguém. Faz parte de um mistério maior: o da existência. Nós ignoramos o começo e desconhecemos o fim. O fato é que fui o único espermatozóide a fecundar aquele óvulo apesar de ter milhões de espermatozóides com o mesmo objetivo, na mesma tentativa, no mesmo instante. E um dia, breve ou não, eu tenho a certeza de que vou morrer, apesar disso, não sei quando, nem onde, nem como isso vai acontecer, e menos ainda, se apesar de morrer em matéria, eu vou viver em espírito.

Melhor eu parar de ler Lispector, já me bastam os devaneios que tenho sem alimentar a minha imaginação, se ela continuar dando de comer à minha mente, vou engordar também a minha consciência.

Pensando bem, quero mais Lispector… 😀

Roberta Simoni

Depois do Reveillon

A festa chegou ao fim, a ressaca passou, os fogos acabaram, o céu limpou, e nesse novo ano em especial, a chuva caiu.

Pois é, 2009 chegou. E como você está começando essa nova contagem de tempo? Alguma coisa mudou?

Eu sou a mesma, você é o mesmo, e as nossas vidas, provavelmente, são exatamente as mesmas, sendo elas boas, ruins, ou mais ou menos. Depois das deliciosas e saborosas (leia-se “engordativas”) festas de fim de ano, damos de cara com nossos antigos compromissos e com a velha rotina de sempre, que não são tão saborosas assim.

Vamos ser francos: nada muda, mas ainda assim é fascinante ter a sensação de recomeçar, de começar do zero, de estabelecer novas metas, fazer novos planos e acreditar mesmo que “agora é pra valer!”. Melhor ainda seria se, independente da contagem de dias, semanas e meses, da qual chamamos de ano, houvesse “ano novo” em pleno 17 de julho ou 23 de setembro, etc…

O mesmo entusiasmo que sentimos no dia 1º de janeiro, poderíamos sentir em qualquer dia do ano. Seria delicioso renovar completamente as energias e as esperanças a cada manhã de sol, a cada mergulho no mar, a cada beijo apaixonado, a cada demonstração de carinho, a cada conquista e até a cada derrota, afinal cada situação nos dá a oportunidade de seguir um novo caminho, de fazer uma nova escolha, ou de enxergar alguma coisa sob uma nova ótica.

A vida se renova o tempo inteiro diante dos nossos olhos, e principalmente diante dos nossos sentidos. A todo instante experimentamos novas sensações, das melhores às piores possíveis. E, por mais metódica que seja a vida de uma pessoa ela será surpreendida por essas sensações, querendo ou não. É nelas que está embutida a chance de recomeçar.

O recomeço não está só em começar uma nova vida, está em tudo… em despertar para um novo sentimento, seja de desejo ou de repulsa, uma nova vontade que nos impulsiona a buscar ou a deixar algo para trás. Recomeçar está numa escolha, numa decisão que somos obrigados a tomar, numa euforia inexplicável, numa sensação, numa intuição, num momento de introspecção, numa alegria inesperada e até numa tristeza sem motivo aparente. Ela está lá, sempre lá. O recomeço é quase sempre uma escolha que fazemos, e a escolha, muitas vezes, pode ser simplesmente a de recomeçar.

Nessa nova “fatia de tempo” que ganhamos, desejo que todos possam sentir a mesma vibração maravilhosa do Reveillon em vários, vários dias do ano. Que em 2009 nós tenhamos vários “anos novos”.

Roberta Simoni