É, Robison, não tá fácil pra ninguém!

Robison e Renata

Houve um tempo em que eu me vangloriava por ser extremamente sincera e, portanto, me sentia diferente da maioria das pessoas. Esse tempo, naturalmente, passou. Ninguém consegue manter vanglória alguma por muito tempo. Não demora muito e toda essa arrogância vai pro ralo. Pois bem, passada essa fase, outra se iniciou: a questionadora e lamentadora: “por que eu sou assim?”; “Por que não consigo evitar?”; “Por que as pessoas não são sinceras comigo como sou com elas?”; “Óh Deus, como sofro por não conseguir dissimular…”. Em suma: enfrentei a fase dramática e vitimista ou, como eu gosto de chamar de “Ai-que-dó-de-mim-por-ser-assim”.

Mas, nada como levar uns tabefes da vida para me situar e tratar de sair da confortável posição de vítima. A gente é o que é e ponto final. Por sorte, somos também seres mutáveis, passíveis de transformações constantes, provocadas pela vida ou forçadas por nós mesmos. Uma vez compreendendo isso, consegui controlar um pouco mais o meu “instinto sincero” e hoje posso até afirmar que existem pessoas que nem sequer imaginam o que penso a respeito delas. Poucas… bem poucas, é verdade, mas existem.

Para que isso fosse possível, fiz um exercício infinitamente mais difícil do que séries sequenciais de abdominais invertidas: comecei a escutar mais e falar menos. Afinal, não é por acaso que temos dois ouvidos e uma boca só.

“Com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos quarenta anos de vida, aprender a ficar calado.” (Millôr Fernandes)

Talvez seja porque eu ainda não tenha chegado aos quarenta ou porque, como ser humano comum e limitado, eu demore bem mais tempo para alcançar a sabedoria de alguém como Millôr ou, na pior das hipóteses, talvez não haja mesmo jeito para mim. O que sei é que, por mais que eu tenha evoluído alguma coisinha ao longo dos meus quase 30 anos de vida, a tentativa de ficar calada nem sempre funciona. Tive – e ainda tenho – meus dias de recaída. O último, inclusive, faz poucas semanas, quando caí numa cilada ao aceitar um trabalho sem supor que estava comprando gato por lebre. Fui contratada para fazer um serviço específico e, quando fui realizá-lo, descobri que era outro, infinitamente mais complexo e trabalhoso do que a proposta original, que omitia as informações reais para baratear minha mão de obra. Bacana, né? Fiquei perplexa, achando que alguém fosse surgir na minha frente a qualquer momento pulando e gritando “Rá! Pegadinha do Malandro!”

Mas não era pegadinha, era só malandragem mesmo!

Como manter a passividade do meu animal sincero nessa hora? Impossível. Retomei à velha forma e não terminei o trabalho sem antes despejar tudo que eu pensava a respeito daquela atitude, no mínimo, desonesta. Descartei o filtro da sinceridade e andei algumas casinhas para trás… acontece nas melhores famílias.

Hoje, no entanto, percebo que os meus maiores deslizes não tem sido cometidos com os outros, por ser excessivamente franca ou por deixar de ser, por falar ou por calar, por dar ou omitir minha opinião. Não… o maior deslize que ando cometendo é contra mim mesma, por tentar suportar todas as minhas próprias verdades de uma só vez, empurrando-as goela abaixo, como se estar ciente e lúcida de tudo pudesse me salvar, enquanto todos nós sabemos que a verdade, muitas vezes, condena.

E aí, cansada de bancar a “Renata ingrata” (e deveras sincera), pichando no muro da minha própria consciência, dizendo que ainda me amo, mas que perdi o tesão por mim mesma, eu vou lá e banco o Robison e, magoada e ressentida com tal declaração, apago o recado lá no meu muro e tendo fingir que nada aconteceu, que nada foi revelado, torcendo para que aquele “Adeus” da Renata seja, de fato, definitivo. Mas nunca é.

Ela sempre volta para sambar na cara da sociedade que nada nem ninguém vão impedí-la de escrachar a verdade, doa a quem doer, suje a quem sujar, pois ainda há muitos muros brancos para ela pichar com suas verdades indecentes e dolorosas.

– Mas, Renata, nem todas as verdades são para todos os ouvidos.

– Mas, Robison, nem todas as mentiras são para todas as bocas.

Roberta Simoni

Filtro da sinceridade escangalhado

Desde cedo a vida começou a me mostrar que sinceridade não é uma coisa bonita. Mesmo assim, eu venho resistindo à essa ideia e, sem querer ser pleonástica (mas já sendo), a verdade é que, muitas vezes, a verdade é mesmo feia.

Na minha adolescência teve uma moda de “Caderno de Perguntas”, que circulava por todo o colégio. A brincadeira funcionava assim: cada um respondia a todas as perguntas feitas pelo dono do caderno, e depois passava adiante.

As perguntas variavam entre bobas e idiotas: “Qual a sua cor preferida? Quem você levaria para uma ilha deserta? Quais suas qualidades e defeitos?” e por aí vai…

Um dia, um caderno desses veio parar na minha mão. Comecei a responder… até que me deparei com uma pergunta um tanto quanto complexa: “Com quantos anos você deu o seu primeiro beijo?”

Bom, eu tinha 14 anos e nunca havia sido beijada. Olhei para as respostas dos outros, e o mais atrasado tinha beijado pela primeira vez aos 12 anos, mas isso não foi suficiente para me intimidar. Respondi sem pestanejar: “Ainda não beijei na boca.”

O caderno continuou circulando pelo colégio e, no dia seguinte, eu assistia à aula quando um grupo de alunos de outras turmas se amontoava do lado de fora da janela da minha sala. Eles apontavam lá pra dentro e riam. Aquela movimentação toda dispersou a aula e logo todos  fomos tomados por uma enorme curiosidade. A professora parou a aula, abriu a janela e perguntou a um dos meninos o que estava acontecendo…

O garoto respondeu com outra pergunta, às gargalhadas, apontando pra mim: “Professora, aquela ali que é a Roberta?”. Ela, ainda confusa, fez que sim com a cabeça, e o grupo começou a gritar, em coro: “BV, BV, BV, BV…” (pra quem não sabe, B.V. é abreviação para “Boca Virgem”.)

Pois é… a “coisa” que causou aquele reboliço todo, era eu. E tudo isso por causa de um beijo… um beijo que eu nunca havia dado.

A professora fechou a janela e tentou retomar a aula, mas aí já era tarde, porque o “vuco vuco” agora era dentro da sala. “Beta, isso é verdade?”, “Meu Deus, você nunca beijou na boca mesmo? Mas, por que, menina?”

Finalmente conseguiram me intimidar. Naquele momento eu era o próprio “ET”, que acabara de ser descoberto infiltrado entre os seres humanos !!! 😀

Episódios parecidos com esse eram frequentes, por razões diferentes, mas todos provocados pelo meu excesso de sinceridade, sempre.

A primeira vez que eu me lembro de ter achado a sinceridade feia foi quando ganhei um monte de roupas de presente de aniversário de uma amiga rica da minha avó, da qual eu esperava ganhar o melhor brinquedo, considerando seu poder aquisitivo. Eu rasguei a embalagem ávida e quando vi o que era, falei instantaneamente: “poxa, mas roupa não é presente!”

Minha mãe, envergonhadíssima, me repreendeu e me fez agradecer o presente. “Mas, mãe, eu não gostei!”, eu insisti. Só me lembro da tia dizendo: “Não tem problema, criança é assim mesmo!”.

Depois minha mãe me explicou que não é sempre que podemos dizer o que estamos pensando ou sentindo, porque isso pode desencadear numa série de problemas e pode, inclusive, magoar as pessoas, mas parece que eu não aprendi muito bem, até hoje… e comprovei isso ontem à noite.

Entrei no ônibus tensa, porque já era tarde e eu estava sozinha. Escolhi um dos muitos lugares vazios e me sentei. Dois minutos depois, um homem sentou-se ao meu lado. E ele não apenas sentou como quase se jogou em cima de mim, eu dei um pulo e falei sem pensar duas vezes: “Ei, precisa encostar tanto?”

O rapaz ficou surpreso e se defendeu: “Eu tô no limite do meu banco, moça!”

Eu rebati: “Ahhh, não está não!”

“Calma, eu não quero te assaltar não!” – ele falou, tentando descontrair.

“Tem certeza?” – perguntei e prossegui antes que ele pudesse voltar a falar – “Só não entendo porque você se sentou ao meu lado se o ônibus está vazio e, me desculpa, mas continuo achando que você está encostando muito em mim, moço!”

Normalmente, eu teria ficado incomodada, mas teria ficado quieta. Ou teria, no máximo, trocado de lugar, se o meu “filtro da sinceridade” não estivesse com defeito ontem.

Depois eu observei o rapaz e vi que ele tinha cara de “bom menino”, mesmo assim, aquela coisa toda de quase sentar no meu colo não foi legal, e se aquilo foi uma espécie de investida, ele precisa aprender a fazer uma abordagem mais inteligente. Mesmo assim, confesso que depois morri de vergonha pelo fora que dei no menino!

O que acontece comigo é que, às vezes, eu não consigo filtrar nem uma vírgula que sai do meu cérebro até chegar à minha boca e deixo passar tudinho o que penso. Acho que a minha válvula responsável por pensar antes de falar entra em curto constantemente e depois haja colhão para aguentar as consequências. Além do mais hoje ninguém vai poder dizer: “Ah, ela é só uma criança!”, até porque eu consigo disfarçar muito bem que sou adulta.

Hoje em dia, se eu fosse responder um Caderno de Perguntas, quando chegasse naquela parte de “Qual é o seu maior defeito?”, eu responderia: “Cuidado, eu sou sincera!”

(adoro essa foto, tinha que ser o Almodóvar, né?)

Roberta Simoni

Não sou freira, nem sou puta.

Nem Freira, nem Puta

Você tem que ser assim, tem que agir assado, deve fazer aquilo, precisa se comportar como aquilo outro. Assim, assado, aquilo, aquilo outro, tudo balela, puro rótulo. A maturidade tem me ensinado como é delicioso poder ser eu mesma sem precisar seguir um paradigma, ainda que eu me transmute o tempo todo.

Eu já ouvi bons e maus conselhos, e já segui todos dois, como já ignorei também. Já fiz coisas boas e ruins. Me esforço para trabalhar alguns traços da minha personalidade que me sabotam, tento melhorar, mudar. E mudar nunca é fácil, muito menos imediato, mas, pelo menos existe a vontade para começar. Mas, quando essa vontade passa longe de me tomar, nem adianta tentar, o sorriso fica amarelo, a expressão forçada, o interesse dá a impressão de forjado, a satisfação soa falsa, as palavras saem mecanicamente.

Eu não sou “automatizada”, não tenho um botão de liga e desliga, embora eu concorde que ter um botão desses em determinadas situações facilitaria bastante as coisas, como diz a minha amiga .

Eu consigo me comportar conforme exige a etiqueta, sou capaz de obedecer as regras e respeito as leis, mas quando eu não quero, eu não quero; quando eu quero, eu confesso; quando eu sinto, eu demonstro; quando eu discordo, me manifesto; quando eu acho que não está bom, eu reclamo; quando eu preciso falar, nada me cala; quando fico indignada, eu não escondo; quando eu preciso fazer, eu quebro regras;  não sou sempre politicamente correta; não me comporto da maneira que se espera e não falo o que as pessoas desejam ouvir.

Eu sobrevivo mesmo não sendo benquista por todos. Ser mal vista, mal interpretada e mal julgada não me fazem ser diferente, tampouco modificam a minha vida ou me estimulam a seguir um protótipo. Até porque, mesmo se eu me moldasse conforme os padrões da sociedade, eu continuaria sendo vista do jeito que cada um quisesse me ver, ou seja, ainda de maneira distorcida e equivocada.

Fama de porra louca? Tudo bem.  Exagerada? Careta? Radical? Feia? Bonita? Gorda? Gostosa? Inteligente? Ignorante? Forte? Frágil? Engraçada? Ousada? Abusada? Santa? Puta? Rude? Franca? Boa nisso? Péssima naquilo? Na minha constante transformação, eu posso ser cada uma delas, ou todas ao mesmo tempo, sob diferentes aspectos. Ou simplesmente nenhuma. Tudo depende exclusivamente da maneira que escolhem me enxergar. Aí já não tem mais nada a ver comigo, muito menos com as minhas escolhas.

A minha escolha é simples:  não abro mão da autenticidade.

Roberta Simoni

Enjoei de você

Desculpa, mas eu enjoei de você.

Nausea

Vem cá, isso não acontece com todo mundo, ou acontece, mas só poucos confessam? É, eu sei que parece um pouco cruel falar isso assim, com tamanha sinceridade, mas eu não sou muito boa em tapar o sol com a peneira, entende?

Você pode identificar que tomou enjoo de uma pessoa quando não tem mais um pingo de paciência com ela, quando percebe que não está mais disposto a relevar os defeitos dela, por menores que sejam. Quando as características difíceis de lidar passam a ficar impossíveis.

Ah, e a risada? O olhar, o jeito de falar, a voz…? Por mais que o dito-cujo não esteja sendo falso, sempre vai soar falso pra você. E o jeito sempre previsível e mais insuportável do que nunca? Até o perfume dele te incomoda. Nem uma fragrância francesa salva!

Tem gente que é “enjoativa” mesmo, mas não são só essas pessoas que causam nauseas, na verdade, depende muito também do seu nível de tolerância em determinados momentos. Você pode enjoar de amigos, ou até de alguém da sua família. Nesse último caso, espere o enjoo passar, mantenha um pouco a distância e só volte a ter contato quando você tiver certeza que não se sentirá mal na presença do enjoadinho ou da enjoadinha.

O enjoo pode ser passageiro, como o das grávidas, ou pode ser que você não consiga voltar a gostar da pessoa. É mais ou menos como uma comida que te embrulha o estômago e, de repente, você não consegue comer mais e é obrigado a descartar do seu cardápio.

Se puder, descarte-o(a). Se não puder, o jeito é relevar, mas só até onde você suportar. Nem pensar em ultrapassar seus preciosos limites… isso sim pode causar um mal-estar irreversível.

E que atire a primeira pedra quem nunca ficou enjoado de ninguém!

A gente enjoa de cheiros, sabores, lugares, coisas, por que não enjoaria de pessoas? 😀

Roberta Simoni