E então ele me toca…

Toca-me

“Isso vai acabar logo. Não se preocupe tanto.” – ele me falou com a voz segura e suave, sem me olhar nos olhos, enquanto virava o copo, tomando o resto de alguma bebida que sobrava e se dissolvia com as pedras de gelo, depois de ouvir minhas queixas numa mesa de bar.

“Como você pode me dizer isso com tanta segurança?” – perguntei, curiosa.

“Não sei como. Eu só sei. É feeling. Tenho certeza que falta pouco para tudo isso acabar.” – ele falou, desta vez me olhando nos olhos, com a sabedoria de um velho experiente, num corpinho de trinta, com um olhar de garoto esperançoso e uma voz irresistivelmente confiante e masculina.

Dissesse o que fosse, contanto que falasse daquela maneira, eu acreditaria nele. E acreditei. Depois fiquei pensando no efeito que algumas pessoas são capazes de causar na gente…

Eu, por exemplo, tento me convencer todos os dias que coisas boas estão por vir, considerando que nem corro mais atrás, corro na frente disso. Forço-me a lembrar que a vida é cíclica, mas, mesmo assim, algumas vezes sou tomada por um desânimo de dar desgosto, fico descrente e seriamente desconfiada da lei do retorno.

Aí vem ele, despretensioso, e embora me conheça bem, não ousa falar o que preciso – ou quero – ouvir, e mal sabe o efeito que causa. Pega com delicadeza a minha ansiedade infantil e a convence que é hora de criança dormir. Depois beija a minha fé amarga e desperta e adoça a sua sensível existência.

Não é só o que e como é falado, mas quem fala. Tem gente que tem o dom de tocar os sentidos da gente, sem que toque necessariamente num fio de cabelo nosso.

Tem hora que eu me perco, mas aí aparece gente que me acha… gente que é dona de palavras que me beijam. Tem palavras que me tocam como se eu fosse um instrumento musical. Tem notas que eu não conheço, e me seduzem, porque o que eu desconheço também me deseja.

Tem intuição que me afeta, e me avisa que o desconhecido me espera.

Eu? Intimamente eu desejo que ele esteja certo, e intuitivamente acredito que esteja…

Roberta Simoni

Escrever é como despir-se

Nudez

Nascemos nús e nos vestimos apenas de pele, pêlos e restos de placenta quando chegamos ao mundo, nem por isso nos envergonhamos por não estarmos usando nenhuma peça de roupa, ou por estarmos “sujos” de parto. Mas trememos de frio e choramos de medo.

A nudez é pura na sua essência, mas não é comum, e quase sempre é inapropriada. Livrar-se de roupas é um ato tão corriqueiro e, ao mesmo tempo, tão simbólico, poético e, acima de tudo, tão raro. Ficar nú diante do espelho ou diante de alguém é algo que parece simples, mas não é. Não para todos. O frio e o medo que as pessoas sentem no primeiro contato com o mundo é o mesmo que sentem ao se despirem de si próprias, quando deixam seus corações expostos, quando são demasiadamente transparentes, sinceras, espontâneas e autênticas. E elas têm razão de sentirem medo, porque esse tipo de nudez costuma chocar mais do que a nudez física, espalhada por todos os cantos.

É claro que é preciso ter coragem e estar bem resolvido com o seu próprio corpo para ficar completamente nú diante de um público ou de uma câmera fotográfica. Sou fotógrafa e, apesar de estar do outro lado da câmera, sei o quanto é difícil até que se acostume com a sua nudez sendo vista e explorada por pessoas que estão, ao contrário de você, em situação mais confortável: cobertas de roupas.

A nudez humana exige ainda mais coragem que a física, porque o que vão julgar não é o seu corpo, se você está magra ou gorda, se tem uma ou muitas celulites, até porque, depois que inventaram o photoshop, e outros programas similares, esse tipo de avaliação se tornou bem mais difícil de ser feita. O que fica exposto quando se permite ser vista sem máscaras é muito mais do que cicatrizes, marcas de nascença ou tatuagens por trás dos panos.

A exposição que é feita de um corpo nú é a mesma de uma alma transparente – e entregue. É você ali, vestida dos pés a cabeça, mas completamente pelada para quem consegue te enxergar além da roupa que você veste, dos acessórios que você usa, do seu estilo ou da moda que você segue, ou não segue. O que fica a vista para quem quiser ver é a sua opinião. São as suas verdades nuas e cruas. Seus gostos, costumes e opções. E o que saltam aos olhos são os seus deslizes, suas fraquezas, suas falhas, seu jeito de ser por opção e/ou por essência. E tudo isso poderia ficar escondido se você quisesse, confortavelmente acomodado entre várias camadas espessas de panos, mas não… quem opta por dar voz e tonalidade sonora às próprias palavras, prefere se expor ao vento frio, ao sol, ao calor, ao clima úmido e seco, que provocam todo tipo de reação, menos a de proteção.

Escrever é como despir-se. É impossível querer que as minhas palavras não me exponham, é inevitável que elas me arranquem peça por peça de roupa, e é muita ingenuidade achar que elas gerarão reações idênticas. As mesmas palavras que emocionam ou fazem rir, causam repulsa e contrariam. Geram polêmica e desconforto, da mesma maneira que confortam. E, de uma forma ou de outra, me tornam vulnerável. Escrever num blog tem sido, para mim, um exercício fascinante de nudez e de descoberta de partes de mim que estavam tão cobertas e protegidas que eu mesma desconhecia.

É como pegar um espelho e colocar entre as pernas pela primeira vez e tocar-se, descobrindo variadas sensações. É como ter um corpo visto sem edições. É como ser tocada com ternura, com amor, com tesão, com admiração, com malícia, com maldade. É sentir a reação que cada toque causa em mim. É como tocar no que não é apalpável e mesmo assim, sentir que toquei profundamente.

FaceMas descobertas também doem, e os toques maldosos ferem. Por isso é tão difícil ficar nú diante de tanta gente que se recusa a tirar a roupa ou que considera a nudez insolente, desaforada e grosseira, mas eu continuo me sentindo cada vez mais à vontade sem vestir nada.

Um vez que você tira sua roupa diante do mundo, fica difícil sentir vontade de voltar a usar vestimentas, elas te fazem transpirar, incomodam e apertam. Palavras que sufocam causam a mesma sensação, por isso, eu deixo as minhas palavras experimentarem o gosto doce e amargo da liberdade. Elas podem até chocar, mas são de uma beleza tão libertina e dissoluta que se tornam cada vez mais puras, mesmo no auge de suas maiores orgias.

Roberta Simoni

Palavras do Coração

Sabe quando, sem motivo ou explicação, você sente necessidade de dizer ou de lembrar a alguém o quanto ele(a) é importante na sua vida? Talvez porque você não faça isso há muito tempo, ou porque nunca tenha feito e esteja com vontade de fazer agora, ou simplesmente porque você respeita as exigências do seu coração? Well… se o seu coração for tão autoritário e mandão quanto o meu, ele te fará viajar a distância que for preciso para falar pessoalmente com essa pessoa, ou telefonar de madrugada para ela, ou escrever uma carta, ou mandar um e-mail, uma mesagem, um sinal de fumaça que seja. Mesmo que seja só para dizer – “Ei, eu estou pensando em você!”

Pois então, foi essa vontade que deu origem a essas palavras que brotaram do meu coração, quando eu permiti que ele falasse por mim nos ouvidos do coração meu pai hoje:

Pai e Filho

“Pai:
Você foi o primeiro homem que eu amei e o único por muito tempo. Era também o único homem bonito do mundo e o único que eu aceitava como “meu namorado”. Um dia eu descobri que mamãe era fã do Fabio Júnior. Quando eu a vi suspirando enquanto ele cantava na tevê, me senti traída. Minha primeira reação foi a de emburrar a cara para ela. Não entendia como ela podia admirar outro homem além do meu pai. Como isso era possível?

Algum tempo depois eu comecei a perceber que eu também admirava outros homens, e que isso era normal, afinal. Na adolescência, virei fã de Patrick Swayze e suspirava por ele também. Me apaixonei pela primeira vez. Depois me apaixonei outras vezes. Dei meu primeiro beijo. Meu primeiro namorado teve que te pedir permissão para me namorar. O segundo também. Os outros, felizmente, puderam pular essa parte…

Um belo dia eu percebi que você não era mais o único homem da minha vida, e pensando bem, talvez nem fosse o mais bonito também (risos). Me toquei que você havia perdido o seu posto exclusivo quando eu pensei nos outros homens da minha vida: meus avôs e tios, amigos queridos, namorados…
O fato é que você não era mais a minha única figura masculina. E, além disso, eu descobri que você era humano e que tinha defeitos. Defeitos que eu demorei alguns anos para reconhecer que havia herdado, da mesma forma que eu demorei pra perceber que as minhas melhores características também eram suas, até me orgulhar de cada uma delas e dizer – “Puxei ao meu pai!”

Só queria que você soubesse que EU TE AMO, e que sou grata pela minha herança genética, porque apesar de suas limitações humanas, eu não consigo imaginar pais melhores e mais maravilhosos do que vocês, que são um pedacinho de mim, que sou um resumo de vocês dois.

Eu sei que você não é mais o único homem da minha vida, mas continua sendo o mais importante de todos. O meu “primeiro namorado”, o meu primeiro amor e o primeiro homem que eu admirei e sempre vou admirar. Isso é só seu, e ninguém tira.”

Roberta Simoni

A palavra do momento…

Saudade

Se eu fosse uma palavra, hoje, eu seria a saudade. É a palavra da vez, a que eu mais tenho usado no meu vocabulário e a que mais tenho escutado também. Se alguém me visse distraída e perguntasse no que estou pensando, eu diria que estou apenas sentindo… sentindo saudade, e é ela quem está me levando para longe e me deixando com esse olhar distante…

Ela tem me feito viajar mais do que as minhas pernas, que – felizmente – têm me feito viajar bastante ultimamente. Mas a saudade está sempre muito à frente das minhas pernas, por mais agitadas e velozes que elas sejam.

A saudade que eu trago comigo é forte e potente, coloca a Ferrari do Schumacher no chinelo, e aposto que, muitas vezes, ela é mais veloz do que a luz. Além de tudo, é onipresente, afinal, eu sinto saudade de tanta coisa e de tanta gente constantemente que só sendo onipresente para dar conta de tudo.

Saudade da gargalhada de um amigo, do jeito de falar de outro, do carinho e doçura de alguns, da falta de noção e juízo de outros, do jeito engraçado, da espontaneidade, do jeito de ver e viver a vida…

Saudade do olhar carente e pidão do meu cachorro. Saudade de um lugar… não, na verdade, de vários. Saudade de cheiros, do cheiro da casa da minha mãe, do cheiro dela, e das covinhas que ela revela toda vez que sorri, e que eu morro de raiva por não ter herdado. Saudade de sons, sabores, cores. E, incrivelmente, não há nostalgia desta vez. Ela não tem me visitado nos últimos tempos, não fico relembrando momentos, nem fases, nem remexendo o passado, vendo fotos de algum lugar distante, nem abrindo as gavetas que têm o cheiro da minha história entranhado em cada peça de roupa minha.

Também não tenho aberto a minha caixinha mágica de recordações. Eu a considero mágica porque ela é, de certa forma, uma máquina do tempo que me leva diretamente ao passado, mas, somente ao passado de momentos felizes, emocionantes, únicos… mágicos! E, apesar de me acompanhar há tantos anos, e ser muito antiga, a minha caixinha é o que eu tenho de mais moderno, e supera qualquer invenção tecnológica.

A nostalgia é uma velha companheira minha, a maior parte do tempo convivemos harmoniosamente, mas nem sempre é assim. Confesso que ela me atrapalha, às vezes. A verdade é que ela é acomodada e espaçosa, chega, se instala, é bem tratada, e quer ficar, tomando todo o meu tempo, e me impedindo de viver o presente. Por isso, precisamos tirar férias uma da outra, de vez em quando. Igualzinho a qualquer relacionamento humano que se desgasta naturalmente.

Já a saudade nunca vai embora, apenas se distancia e se aquieta quando se satisfaz, mas com o apetite que tem, não demora muito e ela começa a se fazer presente de novo. Chega como quem não quer nada, porque sabe que chegou – como sempre – cedo demais. Faz o tipo que acha que pontualidade apenas não basta, e prefere estar sempre adiantada para garantir o melhor lugar aonde quer que vá.

Quando chega, vem de mansinho, mostra a cara, mas fica de longe, não me toca e nem fala nada, e quando eu me dou conta, ela já está me rodeando, me aborrecendo, reclamando o tempo inteiro, me perseguindo, e quando eu tento ignorá-la, ela piora ainda mais. Me catuca no ombro, põe as mãos na cintura, franze a testa, me olha aborrecida e fala – “Ei, eu tô aqui óh… você não vai fazer nada, não? Esqueceu que eu existo para poder morrer? E você sabe que morrer, para mim, é um prazer enorme, e eu fico uma fera quando isso não acontece. Exijo que você me proporcione esse prazer e tem que ser agora!”. Ainda por cima é mimada e arrogante.

Ela começa a me ferir quando eu não faço o que ela manda, não que eu não queira fazer, mas eu não posso, não consigo ser tão veloz como ela, especialmente quando estou vivendo a tantos quilômetros de distância de tantos dos meus amores. Mas ela não entende, nem tenta. Me castiga, começa as sessões de tortura, e faz o meu coração doer de uma forma que só ela consegue fazer.

Estou decidida a dar um basta nisso, e ela sabe que eu vou, por isso começa a ter um pouco de piedade de mim, mas só um pouco. Agora me perturba como eu perturbava meus pais toda vez que viajávamos, perguntando de cinco em cinco minutos – “Estamos chegando? Falta muito ainda?”

Como se não bastasse a saudade grudada em mim 24h por dia, me torturando, ela ainda convida a amiga ansiedade – outra torturadora profissional – para passar um tempo conosco. Agora sim o serviço ficou completo.

Mas falta pouco para tudo isso acabar, pelo menos, desta vez.

Roberta Simoni

Reforma Ortográfica, pra que te quero?

Logo agora que voltei a me entender com as palavras (bom, pelo menos é o que venho tentando…), elas simplesmente são modificadas, por algum motivo que, sinceramente, ainda nem tentei entender.

Portanto, me desculpo desde já pelos erros que cometerei involuntariamente, e também por aqueles que cometerei por pura resistência, ou rebeldia. Ora, como se a nossa língua não fosse complexa o suficiente para termos que reaprender tantas regras que, um dia, tivemos  tanta dificuldade de assimilar.

Não vai ser nada estimulante falar sobre bem-querer usando a palavra benquerer, desse jeito não há inspiração que resista. Mas, chato mesmo vai ser reclamar do trânsito de São Paulo que sempre pára, digo, para, ou da feiúra do Rio Tietê, quero dizer, feiura

Bem-feito pra mim, né? Quem mandou eu sair do paraíso de onde eu nasci? Benfeito, benfeito, benfeito… (argh…)

Não duvido nada que as grandes idéias perderão a sua expressão sendo ditas dessa forma: “Tive uma grande ideia!”. E até os atos heróicos serão feitos desprezados quanto contados que “fulano de tal fez um ato heroico!”.

Em conseqüência, ou melhor, consequência, é capaz de tornarem o inglês a nossa língua prioritária, porque usar o português corretamente será tarefa só para gênios.

Roberta Simoni

Fazendo as pazes com as palavras

Doidas e SantasComeço meu texto agradecendo à Martha Medeiros, que através de suas deliciosas crônicas me fez voltar a sentir entusiasmo para escrever, depois de ler – na verdade devorar – o seu livro “Doidas e Santas” em algumas horas.

Sempre tive uma relação muito cordial e saudável com as palavras, tantas as escritas quanto as lidas, a não ser, é claro, na época da escola, onde quase tudo (leituras, estudos, pesquisas) era feito por obrigação, pelo menos no meu caso, que nunca fui lá uma aluna muito aplicada. Mas, credito à criação dos blogs o fato de ter me aproximado ainda mais das palavras.

Há mais ou menos uns 7 anos quando criei meu primeiro blog, repleto de inutilidades e, provavelmente, infantilidades, passava horas a fio escrevendo nele, e não sentia o tempo passar. O fato de poder dividir minhas idéias, opiniões, devaneios e sentimentos com outras pessoas que, na maioria das vezes eu sequer conhecia, me entusiasmava. Ler suas opiniões a cerca dos temas que eu escrevia, normalmente relatos do meu cotidiano, era muito interessante. Era como escrever um livro e interagir com o leitor. Facetas do mundo virtual…

De lá para cá, vários blogs foram criados, recriados e abandonados, cada um por um momento ou circunstância diferente, e a vontade de escrever ainda lá, latente, porém dormente.

Hoje, escrever deixou de ser hobbie para se tornar profissão, função, obrigação. Olha ela aí de novo: a obrigação. Talvez essa palavrinha mágica justifique a minha tentativa de fuga do mundo das palavras.

Agora, cá entre nós, é um despeito uma jornalista se dar ao desfrute de escrever apenas para viver. Isso desmoraliza a nossa classe. Mas espero ser perdoada, agora que esse tempo já passou, e eu finalmente fiz as pazes com as palavras.

Roberta Simoni