Decidi deixar o cabelo crescer e descobri que isso é tão difícil quanto largar qualquer vício que, naturalmente, condiciona e acomoda.
Tenho evitado o espelho como o diabo foge da cruz. E só agora lembro porque demorei tanto tempo para tomar coragem de cortar o cabelo. O problema não é ter o cabelo curto. Essa é a parte boa, leve, charmosa, estilosa. O problema é conseguir parar de cortar. Ele começa a crescer e eu meto a tesoura, porque só gosto dele quando tá muito curto ou muito longo.
O problema é o meio termo. A metade do comprimento. O meio do caminho.
Meu drama é sempre o processo. E não. Eu não tô falando do cabelo. Mas sim, eu tô me aproveitando da metáfora barata, porque eu sou dessas que adora ligar os fatos cotidianos mais simples às questões psicológicas mais profundas. Aliás, devo confessar que essa é uma das minhas distrações favoritas. Na falta da análise, a gente se vira com o cérebro que tem.
“Roberta, não percebe? Você trata o seu cabelo agora como lida com tudo que fica morno: se ainda não está na temperatura desejável, você descarta. Acontece que tudo antes de esquentar ou esfriar tem que passar pelo estado de mornidão em algum momento.”
Para chegar ao cume tem que escalar a montanha; para crescer na vida tem que vir de baixo; para emagrecer tem que fazer dieta; para aprender a falar outro idioma ou tocar um instrumento musical tem que estudar e treinar; para ser atendido tem que esperar; para virar adulto tem que passar pela adolescência. Em suma: para o cabelo ficar do tamanho que eu quero, eu tenho que suportar os fios de pontas duplas batendo nos ombros, a falta de corte e o jeito desordenado que ele (des)arruma de crescer.
Deixar crescer é mais difícil do que cortar porque implica em esperar.
Eu estou para a vida assim como o meu cabelo está para mim: nem muito curto, nem muito longo; nem feio, nem bonito. Um tanto desajeitado e em fase de transição. Já esteve melhor, mas também já esteve pior. Ainda não dá para fazer um coque, mas já dá para amarrar e manter preso até que eu sinta vontade de andar com ele solto por aí outra vez.
E tudo isso pra poder ir lá e cortar de novo quando tiver alcançado o tamanho que eu quero. Pois é.
Roberta Simoni