Cabeça à prova de paredes!

Algo realmente mágico acontece quando você viaja, algo que se eu soubesse descrever eu já teria escrito esse texto há muito mais tempo. Continuo sem saber, mesmo assim escrevo, do mesmo jeito que viajei.

A vida, afinal, não é exatamente isso? Não saber e mesmo assim ir?

Quando eu era pequena (era?), eu batia com a cabeça na parede. Pois é. Eu mereço suportar todas as chacotas hoje por isso. Bastava ouvir um não e eu ia lá, engatinhando ou andando aos tropeços em direção à parede mais próxima, não importava qual fosse, eu mirava uma parede e simplesmente ia, sem medo de ser (in)feliz. Eu não lembro de nada disso, é claro, mas minha mãe conta que pensava que eu tinha problemas mentais. Eu, no lugar dela, teria certeza absoluta. Mesmo assim, ela quis se certificar. Chamou uma psiquiatra para avaliar o meu caso. A doutora passou o dia todo observando meu comportamento esquizofrênico, que ela diagnosticou como… esperteza. Malandragem pura e incurável.

Eu já tinha sacado que quando era contrariada ou repreendida, bastava ir em direção a uma parede que mamãe vinha correndo para tentar me impedir de criar mais um rombo na testa. A receita da doutora foi: deixa ela bater, não impeça da próxima vez.

Especialmente no dia em que minha mãe se preparou psicologicamente para me deixar quebrar a cara – literalmente – eu escolhi dar com ela (a minha cara, não a minha mãe) num muro chapiscado. Doeu. Sangrou. E mamãe não socorreu. Chorou de pena, mas não socorreu. Eu fui engatinhando para os pés dela e fiquei chorando, apontado para testa e dizendo: “xangui, mamãe, xangui…”. Ela conta que eu implorei por colo, por peito, por qualquer consolo, peloamordedeus! Até que cansei de chorar e dormi ali, nos pés dela. Só então ela me pegou no colo, cuidou da ferida e me colocou no berço. Conclusão: nunca mais cheguei com a cabeça perto de uma parede.

Mas como velhos hábitos nunca mudam, agora, na vida adulta, eu continuo dando com a cabeça na parede, só que metaforicamente, o que é bem pior, visto que não há mercúrio que sare a ferida e não tem mamãe por perto para socorrer.

A diferença entre a criança e a adulta é que a criança batia a cabeça quando contrariada e a adulta bate quando não sabe as respostas, ou seja, o tempo todo. Não sabe o que fazer, para onde ir, que decisão tomar. Mas se a vida é esse constante e eterno “não saber” o melhor a fazer é tirar minha cabeça da reta, já que sacudindo e dando com ela na parede as respostas não vão simplesmente pipocar como milho pulando na panela.

Depois de ler meu último texto contando sobre a minha viagem, um amigo comentou: “(…) É mais um belo capítulo na história da menina que foi para longe para poder ver algo que estava muito perto.”. Ele tinha toda razão. Ela também, quando disse: “viajou para poder se buscar!”

Eu precisei me afastar das paredes que a minha cabeça estava condicionada a bater. Viajei por quinze horas para bater a cabeça em paredes diferentes até perceber o que eu poderia ter notado aqui: não adianta. Minha cabeça é dura o suficiente para não ceder ao concreto e a parede não vai nem rachar, porque a vida é suficientemente resistente às minhas tentativas malcriadas para obter as respostas. Eu não vou enxergar um palmo diante do meu nariz se estiver com ele mirado na parede, bem como não vou conseguir vislumbrar nenhuma saída, nem as de emergência, sinalizadas com enormes placas vermelhas!

Felizmente eu não fiquei muito tempo batendo a cabeça dessa vez para encontrar o sentido em não saber. De nada. Não saber de nada é a parte mais divertida da viagem. Da vida, no geral, nem tanto. Normalmente é perturbador nunca saber. Aí o jeito é viajar, mesmo sem sair do lugar, porque não é a viagem em si que faz a diferença, mas o viajante.

Não é a Itália. Eu poderia ter escolhido Bangu como destino. É o trajeto, é a forma como eu vejo os lugares por onde passo. Eu vou ser sempre eu em qualquer lugar, – uma garota que dá com a cabeça (dura) na parede – disso não há como escapar. Aquela que atravessa o oceano cheia de dúvidas e volta sem nenhuma certeza. Só aquela certeza já antiga, a de que mesmo sem saber, ir é fundamental quando se quer chegar a algum lugar.

Roberta Simoni