Sobre estilos de vistas e vida

Na minha janela de cima, por Rapha Puttini.

Essa semana recebi a visita de um amigo que todas as vezes que vem na minha casa, vai até a minha janela, se escora e diz – olhando lá pra fora – o quanto adora a minha vista.

Moro nos fundos de um andar alto de um prédio que dá para um conjunto de outros prédios, então, a minha vista é basicamente um emaranhado de janelas que estão a uma distância razoavelmente saudável da minha, para o bem da minha privacidade, contando, é claro, com a ajuda da minha super cortina blackout.

Eu, que sou vizinha de bairro dele e que já tentei me tornar vizinha de porta algumas vezes por conta da vista que ele tem lá, quis entender porque ele gosta tanto assim do que vê pela minha janela, considerando que ele mora de frente para o Aterro do Flamengo, num andar também alto, com direito a parque, praia e Pão de Açúcar de fundo. Sempre que vou visitá-lo, faço questão de manter nossas conversas ali, à beira da janela, para apreciar a paisagem enquanto falamos meia dúzia de bobagens.

Porque a minha vista é linda, mas estática, com o tempo enjoa. A sua não, ela não é linda, mas muda o tempo todo. – ele respondeu.

Ele tem razão. O que se vê aqui é a vida acontecendo dentro de cômodos emoldurados por centenas de janelas. São como quadros onde as pinturas se movem, acordam, assistem televisão, jantam, dormem. Sempre há o que ser visto. Paisagem feita de gente é, inevitavelmente, mutável e certamente mais variável do que o morro Pão de Açúcar. Ainda assim não sei se eu trocaria a vista dele pela minha. Mas é aquilo: a grama do vizinho é sempre mais verde, a vista é sempre mais bonita e por aí vai…

Mas o que eu adoro mesmo na minha vista é a maneira como ela fica linda todas as madrugadas. Gosto de contar quantas janelas ficam acordadas. Duas, três no máximo. Afora os dias de futebol, tenho vizinhos pouco barulhentos e que aparentam dormir cedo. Sobram só alguns poucos apartamentos com luzes acesas e muito silêncio. E eu, na penumbra do meu, pensando sobre “a vida, o universo e tudo mais”, olhando as estrelas e escutando a cantoria dos morcegos que, assim como eu, vivem enquanto o mundo dorme.

Ainda há pouco o técnico da Net esteve aqui para consertar meu aparelho, já estava anoitecendo e ele parecia bastante incomodado com o barulho dos morcegos. Expliquei que isso acontece pela proximidade do parque. Ele perguntou se eu não tinha medo de deixar a janela escancarada desse jeito. Respondi que não. E de morar sozinha, você não tem medo? Respondi que medo, medo mesmo eu tenho é de gente.

Ele me olhou estranho. Tinha qualquer coisa de compaixão ali. Deve ser triste viver só, comentou. Não moço, eu moro só, mas não vivo, além disso, eu gosto. Ele disse que jamais conseguiria morar sozinho e contou como é animado o lugar onde ele vive, como os vizinhos são legais e como são divertidos os domingos lá, com churrasco e som alto até tarde.

Terminou o serviço e foi embora sentindo dó de mim. E eu dele.

Roberta Simoni