Oficina de Escrita Criativa

Dia 08 de maio vamos dar início a uma nova turma de oficina literária através do Terapia da Palavra. O curso será ministrado por mim e pela também jornalista e escritora Maria Rachel Oliveira.

Nosso próximo módulo será uma introdução à escrita criativa, baseado no livro Palavra por Palavra, da Anne Lemmot; em exercícios da Oulipo (Oficina de Literatura Potencial, iniciada na França na década de 60) e práticas já consagradas no Terapia da Palavra. 

O curso é online, portanto, qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo pode participar, mas as vagas são limitadas!

Para obter maiores informações e fazer sua inscrição, clique aqui.

Sai do armário, escritora!

Saindo do Armário

Escritora, cadê você que não escreve mais nada? Digo, nada além de textos enfadonhos para seus superiores que te recompensam com alguns cobres. Nem no seu caderno você escreve mais, escritora!

Curioso esse talento que a gente tem de não cuidar do talento da gente, né? Essa mania que temos de abandonar o que possuímos de mais precioso – e urgente! – com o pretexto da falta de tempo, de oportunidade e outras desculpas esfarrapadas que inventamos para deixar de inventar a nossa própria história.

Fernando Pessoa dizia que a Literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. Agora entendo bem.

Ando lendo para não me perder completamente. Lendo, eu diria, compulsivamente. Até bula de remédio. Uma vez que a escritora anda enrustida, melindrada e tímida, não perco a leitora de vista. E essa, quanto mais lê, mais provoca e atiça a escritora a sair do armário.

Mas a escritora não anda lá muito dada à provocações, tampouco à reação alguma quando atiçada. E não é só a escritora que anda recolhida, a faladora também está um tanto calada. Não via esse raro fenômeno acontecer desde os meus 18 anos, quando me submeti à cirurgia de retirada das minhas amígdalas.

Embora eu tenha consciência de que não há cura para minha verborragia, não posso negar que estou curtindo esse hiato silencioso.

Silencioso, mas nem tanto. Ainda tenho pensamentos que falam alto demais. Outros, no entanto, nem chegam a se verbalizar, tampouco ganham voz. Mantêm-se na forma original. E, dessa forma, certamente me evitam meia dúzia de dores de cabeça. Quem dera ser sempre assim, uma diva prudente, calada, contida. Mas eu tenho um espírito escandaloso que mora num corpo desajeitado, que grita através de gestos, olhares e silêncios.

A verdade é que eu só estou aproveitando esse breve recreio para deitar e rolar nas palavras que eu não tenho dito nem escrito. Só nas que leio. Nas que eu escuto, nem todas, ou nenhuma, a depender de por quem são ditas.

Deixo as palavras de mais difícil digestão para quando a escritora quiser sair do armário, enfim, rasgar os verbos e, se sentir vontade, os sujeitos também.

Enquanto isso, ela arruma a bagunça das suas gavetas e pendura os seus anseios e receios, um a um, em cabides coloridos.

Roberta Simoni

Oficina Literária

Terapia da Palavra - Janela de Cima

Amigos leitores e leitores amigos,

Tenho uma novidade bem bacana:

A partir do dia 18 de fevereiro, em parceria com a também jornalista e escritora (e idealizadora do projeto), Maria Rachel Oliveira, estarei oferecendo uma Oficina de Escrita Criativa – Crônica e Texto Livre, com o objetivo de colocar as emoções e as ideias pra fora. Nesse módulo, cada exercício foi pensado visando despertar o lado direito do cérebro para novas possibilidades.

Como as aulas e as tarefas serão realizadas virtualmente, qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo pode participar.

Para quem sente aquela vontade de escrever, mas se sente intimidado com as palavras e não sabe por onde começar, nós podemos ajudar com exercícios, dicas e orientações literárias.

É só entrar no site do Terapia da Palavra e se inscrever.

E então? Vamos escrever juntos?

Roberta Simoni

Lançamento “História Íntima da Leitura” no Rio

Depois do lançamento do nosso livrinho em São Paulo, chegou a vez do Rio de Janeiro!

Montagem Lançamento SP

Para quem ainda não conhece o projeto, eu conto tudo aqui. E lá no site da editora Vagamundo você também encontra todas as informações sobre o livro e o documentário, ainda conhece o perfil de cada autor envolvido no projeto. E é por lá também que as vendas dos livros são feitas (sem custo de frete, vale ressaltar!)

O lançamento aqui no Rio acontecerá no próximo sábado, dia 08 de dezembro, das 13h às 17h no Parque das Ruínas, um lugar lindo, com aquela vista privilegiada para a Cidade Maravilhosa que só Santa Tereza tem.

Espero vocês lá! 😉

Lançamento Rio

História Íntima da Leitura

Amigos e leitores paulistanos (e não paulistanos que estejam em São Paulo) no dia 16 de Setembro (próximo domingo), estarei na Casa das Rosas (Av. Paulista, 37), das 14h às 18h para lançar a minha primeira publicação em livro, junto com os demais autores do tão sonhado “História Íntima da Leitura”.

Façam o favor de darem o ar de suas graças por lá, sim?!? 😉

Para quem quiser adquirir o livro e/ou saber mais detalhes sobre o projeto, é só entrar no site da Editora Vagamundo.  Além do livro, foi produzido um documentário com os autores da coletânea, óh só que bacana:

Roberta Simoni

Encosto de Beauvoir

Simone de Beauvoir, fotografada por Art Shay – 1952

Acordei hoje pensando em Simone de Beauvoir… atrasada, é claro. Dois segundos depois já tinha me esquecido dela porque fiquei calculando o tempo que levaria para tomar banho, escovar os dentes, me arrumar, engolir o café, estender a roupa no varal e sair correndo. Fiz tudo isso com uma agilidade impressionante, a mesma que eu gostaria de ter quando não estou atrasada.

Mas antes de entrar no banho, parei em frente ao espelho do banheiro e fiquei ali, nua, me olhando enquanto eu prendia o cabelo. Lembrei de Beauvoir de novo, na verdade lembrei da foto enigmática tirada pelo fotógrafo Art Shayem Chicago, na década de 50. Art era amigo do escritor Nelson Algren, o amante de Simone na época. O fotógrafo viu a escritora nua pela porta entreaberta do banheiro, sacou a máquina do bolso e fez as fotos sem Simone ver. Quando ela escutou os cliques, só disse: “Você é um rapaz malvado!” e continuou se arrumando, sem se importar. Na época, Simone tinha 42 anos e ainda não era a filósofa hoje reconhecida mundialmente. Para o fotógrafo, ela era apenas a amante clandestina do seu amigo.

Duvido que Beauvoir enquanto amante, escritora, filosofa ou feminista se importaria com sua nudez exposta. Duvido também que estivesse levantando qualquer bandeira com aquele ato. Ela apenas estava ali, sendo mulher, sendo ela. Sendo a mulher atípica que era para a época que vivia. A mulher que tinha um relacionamento aberto com o também filósofo Jean-Paul Sartre e escandalizava a sociedade por rejeitar os rótulos e optar por ser livre, inclusive da condição de esposa e mãe de família.

Mas, não… não é só por admiração que eu estou escrevendo sobre Beauvoir, nem é por ter ou querer ter um estilo de vida parecido com o dela. É exatamente por não fazer a menor ideia que eu estou escrevendo, pra ver se eu entendo porque eu estou com o encosto de Beauvoir hoje, lembrando e pensando nela como se fôssemos amigas de longas datas…

Talvez muito do que eu viva hoje com naturalidade seja graças à mulheres como Simone foram um dia, talvez isso explique meus pensamentos insistentes nela, talvez seja hora de conhecer melhor sua obra. Talvez, talvez… talvez seja só essa minha vontade antiga de ser, e só ser, que me defrontou no espelho hoje de manhã, diante de Simone me desafiando: “Do que você tem medo?”

Tenho medo que os meus seios caiam antes do amor da minha vida aparecer na porta do banheiro me contando como foi o seu dia. E de passar a vida escrevendo um monte de besteiras. E de continuar sem tempo para telefonar para a minha mãe. De parar de achar graça de mim quando eu erro. De envelhecer cometendo os mesmos erros tolos e repetindo os mesmos discursos enfadonhos. Mas não são os meus medos que me incomodam agora, Simone… de tudo, o pior é continuar transgredindo. Eu pensei que, perto dos trinta, eu pararia com essa mania. Mas parece que estou ficando cada vez mais parecida com você e, sinceramente, não sei se gosto disso.

Você foi o maior símbolo da classe feminista e o seu relacionamento com Sartre é, até hoje, referenciado como amor ideal. Não pra mim, desculpa. Tá, eu acho legal essa coisa de verdade e liberdade a todo custo, mas acho um saco também essa coisa toda de ideal. Amor ideal. Relacionamento ideal. Mulher ideal. Vida ideal. Você também achava, eu sei. Certa vez você declarou que se irritava com a aprovação ou a censura das relações que você estabelecia na sua vida. Pois, acredite, até hoje isso ainda acontece e também me aborrece.

Se Sartre e Beauvoir eram poligâmicos, revolucionários, libertários ou libertinos, não me importa. Se Simone intercalava amantes enquanto se relacionava com Sartre, me importa menos ainda. De verdade, no momento eu não estou interessada no que Simone foi ou deixou de ser. Descobrir por que ela anda me assombrando me deixaria satisfeita por ora.

Setembro começou com mais questionamentos, mais pressa e mais trabalho do que deveria, menos tempo e sexo do que eu gostaria. E, pra piorar, Simone aqui no meu cangote, dizendo que tudo bem se eu passar o resto da vida assim, morando de aluguel numa quitinete, escrevendo projetos e livros (e projetos de livros), e que tá tudo certo em não ter relacionamentos estáveis, nem com o meu cachorro, que da próxima vez que me vir, provavelmente não vai mais me reconhecer. Tudo bem eu trabalhar feito uma desesperada, já que, afinal, não tenho marido, filhos, gatos ou plantas precisando dos meus cuidados em casa. Claro, claro…

Intelectualóide de quitinete. Escritora esfomeada. Ghost writer. Repórter de botequim. Jornalista de beira de estrada. Filha desaparecida. Solteirona não convicta. Tia coruja. Feminista cansada. Degustadora de cheeseburger e bolinho Ana Maria. Dona de casa rebelde. Amiga imaginária. Mulher-independente-dependente-de-carinho. Cadê o glamour, Beauvoir? Cadê?

Roberta Simoni

O admirador e o admirado

Percebi que minhas mãos suavam enquanto eu imaginava o que poderia dizer quando estivesse a menos de um metro dele. Mas a fila estava enorme, dava voltas na livraria. E eu, logo eu, que tenho verdadeiro pavor de filas, fiquei ali, esperando resignada.

É bem verdade que grande parte dos escritores que admiro já morreu há um tempo considerável, logo, estar diante de um em plena forma literária é um privilégio. O autor português, Valter Hugo Mãe, esteve lançando seu novo livro no Rio essa semana. Eu, tiete que sou, fui ao lançamento, comprei o livro, levei outro mais antigo, enfrentei a fila quilométrica e esperei minha vez de ganhar meu autógrafo.

Quando finalmente minha vez chegou, entreguei os livros a ele e me vi paralisada, sem ação, até me escutar dizendo a frase mais criativa e original do mundo: “sou sua fã”. Aposto que ele nunca ouviu isso de ninguém. Sou um gênio, só que ao contrário. Pedi para tirar uma foto, agradeci a atenção dispensada e tomei de volta meus livros agora autografados. Pena as dedicatórias serem quase ilegíveis. Desconfio que além de escritor, o Mãe seja médico.

Saí da livraria me sentindo a criatura mais boba do universo mas, nem por isso, envergonhada. “Ah tá… então é assim que se sentem os fãs diante dos artistas da novela” – pensei. Sempre que saio à rua com algum amigo não-anônimo e vejo ele sendo abordado por algum fã, fico tentando entender como é isso de ficar emocionado diante de alguém que só se conhece “de vista” pela televisão ou internet. Agora eu sei. No meu caso, foi através de livros, mas a sensação, acredito, é a mesma.

Na mesma semana que descobri como é essa coisa toda de ser fã, tamanha foi a minha surpresa ao descobrir que tenho uma “leitora-fã” e acabei, sem querer, experimentando como é a sensação de estar do lado de lá também. Se é que posso chamá-la assim, né Marynha Dantas? Acho que classificar como fã acaba distanciando o admirador do admirado.

Recebi um monte de presentes lindos e mais do que especiais que a Maryinha me mandou pelo correio, diretamente de Sergipe. Tive a sensação dela ter enviado tudo que estava ao seu alcance para me fazer sentir querida e isso, de todos os presentes, foi o que mais me comoveu e emocionou.

Dentro da caixa de sedex, vários livros (alguns autografados pelos autores), produtos de beleza (minha boca, inclusive, nesse exato momento, está mutíssimo agradecida pelo hidratante labial), doces nordestinos de-li-ci-o-sos, uma toalha lindíssima, com meu nome e minha foto bordados com o maior capricho do mundo, lembrancinhas para o meu pai e minha mãe (que ficaram também muito agradecidos), e o presente mais caro de todos: um livro montado à mão, especialmente para mim. Nas primeiras páginas da edição exclusiva, o seguinte aviso:

“Atenção: todos os textos e fotos foram retirados do blog Janela de Cima, da escritora Roberta Simoni. Este trabalho manual e arcaico não pode ser copiado (pois você desiste pelo trabalho que dá). Não tente desgrudar as folhas e ver o que há por trás, pois um livro foi dilacerado para em cima das belas folhas coloridas se fazer este trabalho, o qual se chama ‘O dia que se perdeu a tesoura e tudo foi cortado a dedos’. É só para ‘remember’ e ratificar que há uma galera considerável esperando um livro (nem que seja de bolso, em papel reciclado) desta escritora, jornalista e viajante do e no tempo, ainda não tão famosa a nível global, mas querida por todos que amam o que é escrito com sensibilidade e talento. Aguardamos.” (Marynha Dantas)

Agora, me digam, quando eu poderia imaginar que enquanto eu estava aqui, levando minha vidinha insana e distraída, havia alguém lá no Nordeste do país preparando uma surpresa tão linda assim pra mim?

Isso de admirar e ser admirado por quem a gente nunca olhou nos olhos é uma coisa mágica. Obrigada, Marynha, por me provocar a sensação de estar no caminho certo numa semana onde a estrada me pareceu tão sinuosa, escura e perigosa, me fazendo pensar, diversas vezes, em voltar e procurar outro caminho menos arriscado.

Roberta Simoni

Me declaro culpada – ou escritora.

Não tem coisa pior do que acordar chateado. Não falo de mau humor, mas de chateação mesmo. Dormir ainda vá lá. Rivotril e similares estão aí pra isso. Eu nunca tomei, e não é que eu faça campanha contra as drogas, é só medo de gostar e nunca mais conseguir dormir sozinha de novo. E atualmente eu tenho gostado de não ter com quem dividir a minha cama. Não me chamem de espaçosa. Ou chamem. Eu sou mesmo.

Sentir-se aborrecido logo que se abre os olhos pela manhã é tão ruim ou pior do que acordar de ressaca, porque na maioria das vezes é irremediável, não dá pra fechar os olhos e simplesmente voltar a dormir.

Dali pra frente duas coisas podem acontecer: ou você melhora, ou a coisa desanda de vez, e não te sobram muitas alternativas além de se lançar nas horas seguintes e ver no que vai dar. Afinal, você tem contas a pagar e o trabalho não costuma te dar o luxo de fugir, tampouco de se esconder, mesmo que seja debaixo do seu cobertor, o lugar mais óbvio – e delicioso – do mundo!

Não é como se eu estivesse contrariada com o mundo, o que, eu sei, acontece invariavelmente. Eu andei foi de mal comigo. E não sei se me sinto totalmente preparada para escrever essa afirmação no passado, mas vou arriscar. Sim, eu estava de mal comigo, mas estou melhor – frase afirmativa no presente.

A causa? Eu poderia citar alguns motivos bem razoáveis, mas vou direto ao ponto mais crítico: a verdade e é que eu andei tentando me convencer de que eu não sei escrever ou não sou capaz de fazer isso direito. Logo isso. Isso que eu amo fazer. Isso que eu nasci pra fazer. Isso! O próximo passo depois disso, é claro, foi entrar em crise existencial.

A má notícia é que não foi a primeira e possivelmente não será a última. Quem escreve sabe do que estou falando. A boa notícia é que passou. Eu sobrevivi a mim.

Não! Você não vai me ver dando pulos de alegria por isso, nem rindo feito uma hiena por aí, o que é bom pra você, afinal. Quem ri de tudo é desespero, como já dizia o Frejat (ou não foi ele? enfim…). Eu só constatei o óbvio: ninguém escolhe ser escritor, você nasce assim e pronto. Pode até escolher fazer uso desse dom ou não, mas é que chega num ponto em que ou você pula do barco e vai tentar fazer qualquer outra coisa da vida ou você se aceita assim.

“Se aceitar assim” soa como defeito, eu também acho… Mas é quase isso. Se assumir escritor é aceitar que você vai sempre andar nas ruas olhando para as pessoas e encontrando semelhança entre elas e os personagens que você cria, como se eles de fato existissem fora do papel. É assumir que você vai sonhar com eles e vai se sentir perseguido. E que você vai se achar um merda toda vez que passar um dia inteiro sem escrever nada. E que vai querer transformar tudo em história, ou vai ver história em tudo, onde ninguém mais vê. Em suma: é assumir-se maluco.

E aí, depois de finalizar um conto que enviei pro concurso “Eu amo escrever” que só tomei conhecimento nos últimos dias, já no finalzinho do prazo para a entrega dos textos (que vai até o dia 26 de agosto, para quem quiser se arriscar como eu, ainda dá tempo…), acabei me deparando com o vídeo do escritor João Paulo Cuenca e me senti compreendida, mais do que isso, foi como receber um afago.

Então, escrevamos! Felizmente, não há outra opção.

Roberta Simoni

Namore uma garota que lê

Não foi à toa que, no post anterior, eu disse que tenho amigos-heróis, que me salvam algumas vezes, inclusive, de mim mesma. Agora a Gabs me aparece com esse texto divino – da Rosemary Urquico, traduzido e adaptado por ela, Gabriela Venturasalvando meu dia outra vez!

Quem acompanha meu blog sabe que não tenho o costume de publicar nada além dos devaneios de minha própria autoria, mas esse texto exige uma pequena quebra de protocolo. Precisava compartilhar com vocês, pois sei que vão gostar tanto quanto eu gostei…

Namore uma garota que lê

(De Rosemary Urquico. Tradução e Adaptação de Gabriela Ventura)

Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.

Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.

Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criado pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.

Compre para ela outra xícara de café.
Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gostaria ou gostaria de ser a Alice.

É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.

É que ela tem que arriscar, de alguma forma.
Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.

Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas  garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim. E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.

Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.

Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até  porque, durante algum tempo, são mesmo.

Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.

Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.

Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que  pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe  monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.

Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.

Texto original: Date a girl who reads – Rosemary Urquico

Por que, Hilda?

“Fiquei sem luz, li com as velas e pensei pensei.

Por que, Hilda, você é toda pungente?

Trágica? Impulsiva? Sem disciplina?

E o que há com o teu corpo?”

Numa noite dessas de domingo, lá em 1973, uma mulher chamada Hilda Hilst ficava sem luz e tentava se encontrar no escuro, à luz de velas. E aqui, num domingo do Século 21, outra mulher tenta se achar, só que a luz não acabou hoje, as velas estão apagadas, o abajur aceso à cabeceira da cama, mas a escuridão e as perguntas são idênticas as daquela Hilda de tantos anos atrás.

Por que, Roberta, você tem uma bomba relógio no lugar do coração? Por que tem um liquidificador ligado na potência máxima no lugar de um cérebro? Por que você continua escrevendo nos seus cadernos inúteis tarefas que nunca cumpre? Por que é tão trágica, criatura? Por que já sofre com perdas ainda inexistentes? Por que se diverte imaginando improbabilidades? Onde você escondeu as razões e as respostas? Por que seus sentimentos te dominam inteira, Roberta? E por que você sente as coisas desse jeito latente? Por que você é toda intensa, cansativa, repetitiva? Precisa ser sempre assim, tão pungente? Quem te ensinou a ser lasciva, menina? Quem te deixou ser criança, mulher? O que há com você que não dorme? Nunca te ensinaram o que é ter disciplina? Por que você só respeita a ele? E quem esse teu impulso pensa que é para ser tão impiedoso?

Moça, você gosta mesmo é de ler o que essas mulheres perdidas dizem enquanto escrevem no escuro, não vê? Sempre se sentiu atraída pela essência dessas Hildas, Adélias, Clarices e Virgínias…

Desliga o abajur, Roberta. Por que tanta claridade? Você sabe que essa luz te atrapalha a enxergar.

Roberta Simoni

(créditos da imagem: Incompletudes)